PRETAS NO TOPO: Conheça Robeyoncé Lima
Nascida em Pernambuco, Robeyoncé Lima (33) cresceu no Alto Santa Terezinha, comunidade da Zona Norte do Recife. Filha de empregada doméstica, quando criança adorava acompanhar a mãe no serviço e esse laço se mantém forte até hoje, sendo a matriarca um braço direito em seus projetos políticos.
É uma lutadora. Sempre foi. Não é fácil crescer e viver num país machista, misógino e lgbtfóbico, mas ela foi — como disse — metendo a cara nos cantos, ousou sonhar e não se conformou com as taxativas que a sociedade lhe impunha.
“A partir do momento que a gente se conforma com o mínimo que é dado, fica com a visão reduzida. Eu acho que a gente precisa ousar um pouco mais, meter a cara um pouco mais, no sentido de (buscar) visibilidade, espaço, voz, às vezes num cenário de violência, exclusão e marginalização. Por questões de sobrevivência, não é nem de escolha, ser um tanto ousada em diversos cenários da vida,”.
Teve uma infância humilde e enfrentou muitas adversidades para chegar ao ensino superior. Cursou direito na Faculdade de Direito do Recife — vinculada a Universidade Federal de Pernambuco — e se tornou a primeira advogada trans da Ordem dos Advogados do Brasil -PE. Não fazia ideia de que entraria pra política, esse nunca foi o plano, afinal
“Política pra gente de classe mais baixa é uma palavra que não tá tanto no vocabulário. O contexto que chega no local onde eu nasci, por exemplo é que política é ruim, quem tá na política não presta, todo mundo é ladrão… Engrossa o discurso que é favorável pras classes dominantes, onde é interessante que ninguém queira saber da política ou tenha interesse em ocupar a política”.
Quando ingressou no ensino superior teve acesso a debates que não chegavam à comunidade onde cresceu, entendeu-se enquanto corpo político e despertou para a necessidade de ser politicamente engajada:
“O corpo da gente é político, enquanto pessoa negra, mulher trans, travesti, feminista, não tem como se eximir desse embate. Agora com quanto tempo a gente percebe? Pra ter essa noção, você tem que ter um senso mínimo ou minimamente o debate tem que chegar a teu alcance. Muitas vezes a gente tem essa dificuldade, tem que descer o morro pra poder ter um debate mais refinado sobre o que é política na vida da gente. Eu só vim ter acesso a esses debates quando eu entro numa universidade pública, ao abrir os olhos a gente percebe que nem todo mundo na política é ladrão, mas ao mesmo tempo que não se sente contemplada num contexto que tem muitos homens brancos e cis que dizem representar a gente. Aí dá uma certa indignação e vontade de transformar esse cenário.”.
Na vida pública, é co-deputada eleita em 2018 pela primeira mandata coletiva feminista antirracista de Pernambuco, o JUNTAS (PSOL), onde atua com outras 4 mulheres. Essa forma de mandato é plural, abarca muitas vozes e consequentemente muitas demandas distintas e é uma das estratégias para que minorias sociais ocuparem na política o espaço que foi negado.
Além disso, sua atuação política possibilitou a participação em grupos e eventos para o asseguramento dos direitos de pessoas LGBTQIA+, como a Conferência Internacional de líderes LGBTQ, o World Pride (da ONU) e o Encontro de Lideranças LGBTI das Américas e do Caribe. “A gente tem uma rede internacional LGBTQIA+ e faz essa articulação política porque a lgbtfobia não tem fronteiras.
“Muitos países ainda criminalizam a diversidade até com pena de morte então a gente faz essa articulação internacional de cooperação mútua a fim de ampliar o debate e discussão mas ao mesmo tempo traçar estratégias para desafios transfronteiriços de enfrentamento a lgbtqia+fobia.”, contou.
Nessas pouco mais de 3 décadas de vida, Robeyoncé se tornou um marco, venceu as estatísticas e driblou o caminho que a sociedade usualmente traçaria para ela. Em 2017 se tornou a primeira advogada travesti da OAB-PE, foi a primeira também a ter seu nome social reconhecido pelo órgão e pôde retificar nome e gênero nos documentos. E ao mesmo tempo em que se celebra suas conquistas, percebe-se o quão tardia elas foram e há de se pensar nas outras milhares de mulheres trans e travestis que não têm as mesmas oportunidades.
“Onde estão as outras nesse exato momento que estamos fazendo essa entrevista? Eu aqui com minha carteira da OAB do lado e as outras? Eu sou uma. A única no meio de tantas em todo estado de Pernambuco, por exemplo. Por que não existem outras ou trans médicas, engenheiras, professoras universitárias ou professoras de creche se elas quiserem ser?”, indagou.
Robeyoncé nos alerta que seu caminho foi diferente, mas 90% da população transexual e travesti é obrigada a se prostituir por não encontrar oportunidades dignas de trabalho. Discriminação, preconceito, defasagem escolar são uma constante na vida das pessoas LGBTQIA+, principalmente as transgêneros.
Pessoas trans lutam por direitos básicos comuns à toda população como saúde, educação, segurança, moradia e emprego, porém enfrentam dificuldades que para as cisgêneros podem não fazer sentido, como precisar apelar judicialmente para ter um nome condizente com sua identidade de gênero, ter seus pronomes respeitados e sobreviver para escolher como desejam viver. “Primeiramente queremos estar vivas e depois o direito de escolher a vida que a gente quer levar”, completou a advogada.
Ainda sobre política, o ano de 2022 promete ser importante para a luta pelos direitos LGBTQIA+. Para a deputada, a missão número um é derrubar o bolsonarismo e restabelecer a democracia no país, mas especificamente no combate à lgbtfobia, seguir fiscalizando prefeitos e governadores no que se refere à políticas públicas para a qualidade de vida das pessoas trans, a exemplo da promessa da casa abrigo da prefeitura do Recife que nunca saiu do papel:
“ Essa casa abrigo foi prometida pelo prefeito do Recife no meio daquele calor do discursos de enfrentamento a transfobia em que Roberta teve 40% do corpo queimado, ficou 15 dias internada mas não resistiu. É uma demanda antiga do movimento e há mais de 10 anos vem sido reivindicado esse espaço. Se a gente tivesse uma casa de acolhimento não teria acontecido o que aconteceu com Roberta. Quantas mais vão precisar morrer queimadas para que a gente possa ter um abrigo pra se recolher durante a noite?”, perguntou.
OBS.: No momento da entrevista, a pré-candidatura de Robeyoncé à deputada federal pelo estado de Pernambuco ainda não havia sido anunciada.