Quem foi Esperança Garcia, a primeira advogada do Brasil
Carta escrita por ela em 1770 para denunciar os abusos da escravidão é considerada a 1ª petição do país. História será contada no cinema.
Por Myrlla dos Anjos
Mulher negra e escravizada, Esperança Garcia viveu na região de Oeiras, interior do Piauí, no século XVIII. Aprendeu a ler e escrever na Fazenda Algodões, lugar onde também se casou aos 16 anos e, posteriormente, teve seu primeiro filho.
Levada para outra propriedade e separada da família, Esperança sofreu uma série de abusos e buscou reivindicar seus direitos junto ao governador da capitania do Piauí. Em carta datada no ano de 1770, Garcia denuncia as agressões e maus-tratos sofridos por ela, pela família e por outras pessoas que também foram escravizadas.
O documento, símbolo de luta e resistência no contexto do Brasil Escravocrata, foi encontrado em 1979 no Arquivo Público do Piauí e é considerado o arquivo mais antigo de reivindicação de uma pessoa escravizada.
Em termos formais, a carta atende aos elementos jurídicos de uma petição, é uma expressão muito simbólica da luta por Direitos Humanos. Esperança Garcia atuou de forma bastante singular, resistindo de maneira inteligente e ousada às opressões impostas.
Ainda que na época o Direito não fosse formalmente constituído, o documento tem natureza jurídica, com caráter e elementos que o configuram como uma petição. Cronologicamente, a carta de Esperança Garcia faz dela a primeira advogada do país — embora ainda não tenha sido reconhecida como tal.
Contudo, em 2017, a piauiense foi reconhecida como a primeira advogada do estado pelo Conselho Seccional da OAB/PI. E desde 1999, o dia 6 de setembro — data em que a carta foi escrita — foi oficialmente declarado o Dia Estadual da Consciência Negra no estado do Piauí.
Atualmente, há uma série de reivindicações de juristas e advogados para que Esperança Garcia também seja reconhecida junto a OAB Nacional, como primeira advogada do Brasil; superando assim os obstáculos do machismo e do racismo, que por tanto tempo atrasaram esse reconhecimento.
Hoje o seu nome e memória são celebrados como sinal de luta e coragem, de quem conseguiu, apesar de tudo, fazer do conhecimento ferramenta de poder; buscando o respeito aos seus direitos e fortalecendo as reivindicações de várias outras pessoas.
Um documento antigo, posterior a carta, listava a quantidade de pessoas na condição de escravizados na Fazenda Algodões. Nele havia uma menção a Esperança e o marido. O que leva a crer que a primeira advogada do país conseguiu alcançar aquilo que reivindicava: voltar a viver no que considerava condições melhores, junto à família, na fazenda em que vivia anteriormente.
A vida e história dessa personagem tão importante está sendo contada no filme “Uma mulher chamada Esperança”, do diretor Flávio Guedes. O filme foi produzido na região centro-sul do Piauí, perto de onde vivia Esperança, e é inspirado na carta. A obra está em exibição em algumas cidades do estado, e em 2022 deve chegar em mais lugares pelo país.
Confira a a seguir o trailer do filme:
A trajetória de Esperança Garcia inspira atualmente outras iniciativas de resistência. Um exemplo foi a criação de um Instituto que leva seu nome e atua na área de educação em direitos humanos, promovendo cursos e campanhas de conscientização. Mais informações em esperancagarcia.org .
Além do Instituto Esperança Garcia, no Piauí, destacamos ainda o projeto de extensão Esperançar UEPB, Liderado por estudantes dos cursos de Direito e Jornalismo da Universidade Estadual da Paraíba, em Campina Grande. O projeto promove encontros quinzenais com discussões sobre feminismo e pensamento crítico.
Texto e reportagem: Myrlla dos Anjos
Arte/Redes sociais: Rossana Iândja
Supervisão editorial: Rostand Melo