Esquerdismo, o câncer do comunismo

Habib Curi
Má  infinitude
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3 min readApr 12, 2020

É hora de se afastar totalmente de qualquer ideia de esquerda e de se assumir comunista.

A esquerda é pseudo-revolucionária. Seu compromisso é com o mundo burguês. Sua luta não passa de resistência. Comprometida com as chamadas “conquistas sociais”, trabalha incessantemente para a preservação dos direitos, das instituições, em resumo, dos elementos que só podem existir neste mundo, no mundo burguês. Ora, não surpreende o fato dela, hoje, com o fortalecimento da direita, com o florescimento de certos elementos deste mesmo mundo burguês, veja-se obrigada a defender o direito burguês, o Estado burguês, a liberdade burguesa, a moral burguesa – os princípios que fomentaram o sonho burguês, que outrora foram postos como os mais elevados valores humanos.

De fato está certo aquele que afirma que a direita se deu o direito de sonhar e, assim, se pôs a disputar o futuro. Não se reconhece, entretanto, que o projeto que até agora aí esteve foi o projeto da esquerda, que o mundo que partilhávamos há pouco era realmente hegemonizado pela esquerda. Isso ocorreu pois a esquerda jamais se compreendeu de acordo com que de fato é –ela sempre se colocou acima do real e viu toda a realidade como hostil a ela. Nada mais típico à esquerda que se identificar com aqueles que realmente sonham com um mundo novo e, simultaneamente, enaltecer os mais simplórios e mesquinhos valores burgueses.

O que é democracia senão um subproduto deste mundo que te cerca?

O ataque ao esquerdismo, à doença infantil que se desenvolveu e hoje domina todo o corpo do comunismo, deve ser realizado como forma de se oferecer ao futuro algo distinto da barbárie. Não se deve, como o renascimento da direita demonstra, subestimar o poder da esquerda: seu Estado deve ser destruído, assim como todos os seus valores.

Àqueles que se aferram ao esquerdismo por temerem que na sua ausência o que imperará será o fascismo liberal, dizemos que o único modo de destruir de uma vez por todas qualquer tipo de fascismo é destruindo o mundo que produz o esquerdismo – o mesmo mundo que produz o fascismo. Não há solução à esquerda, por isso nós comunistas jamais fomos e jamais seremos de esquerda. A única solução é, a bem verdade, fazer da esquerda algo próprio à história – ora, para tanto devemos destruir o mundo que a produz e é produzido por essa miserável anomalia, por esse câncer. Esse cancro torpe que se coloca sempre como o puro bem (mais uma vez os ideólogos da direita acertam), mas que é o maior dos males, é aquele que consome os sonhos e aferra o necessário radicalismo ao vil moralismo pragmático.

A liberdade moral fundamental aos comunistas se dá pela mais absoluta imoralidade. O primeiro ato da consciência revolucionária deve ser o ataque feroz e incansável às suas próprias moralidades, deve se despir de todo tipo de apologia e demagogia. Livre de toda moral burguesa, orgulhoso de sua imoralidade, poderá, enfim, se afirmar como comunista, como aquele que não pode [sublinha-se: “não pode”, pois não é nem uma questão do querer nem do dever], na exata medida de sua imoralidade, dirigir a revolução, mas que pode se construir com ela, logo construí-la consigo.

A consciência dissipada no interior do movimento real, reconhecida como a negação mais profunda e violenta do que aí está, é capaz de se relacionar com todas as potências revolucionárias reais. A moralista, religiosa, conservadora classe trabalhadora não deve ser combatida, mas estimulada, impulsionada a impor um mundo que aniquilará sua própria moralidade. O esquerdista comprometido com sua moral jamais poderia se comprometer com a libertação da classe trabalhadora, pois sabe, como um bom pequeno-burguês, que com ela seu mundo estará sentenciado à morte.

Sabe-se que as armas da crítica não podem substituir a crítica das armas, do mesmo modo devemos afirmar que não há libertação efetiva da consciência sem a libertação humana. Por isso a consciência deve estar voltada exclusivamente para o movimento real, armado e soberano que derrubará integralmente esta realidade e, portanto, a si própria. O resultado para a humanidade não poderá ser melhor: livre de toda moral e senhora de si criará um mundo sem correspondente.

Cabe ao comunista consciente da tragédia de toda a história humana e de seu próprio tempo se lançar em direção ao inexistente tendo a certeza que somente em um novo mundo poderá ser alcançada uma consciência capaz de realizar a liberdade humana, a emancipação humana.

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