Ilustração de marca x Ilustração artística: aprendendo a diferença na prática

Fernanda Passos
Méliuz Design
Published in
5 min readSep 25, 2019

Apaixonada por arte desde pequena, comecei a trabalhar com desenho e ilustração (semi)profissionalmente aos 15 anos de idade, aceitando pequenas encomendas aqui e ali. Seis anos mais tarde, em 2017, recebi o desafio de criar do zero um novo modelo de ilustrações para o Méliuz, onde trabalhava como estagiária (e é claro que achei que seria super tranquilo).

Trazendo um pouco de contexto, era uma época crucial para a empresa, que estava em expansão para várias cidades brasileiras. Sendo assim, toda sua comunicação estava sendo repensada para alcançar esses possíveis novos usuários, a fim de passar a eles uma ideia de confiança e responsabilidade. Infelizmente (ou não), as ilustrações da época tinham um ar brincalhão e infantil até demais, o que poderia prejudicar o novo posicionamento da empresa.

Tendo isso em mente e com uma confiança que, no fundo, quase encostava na arrogância, comecei o projeto juntamente com meu gestor, achando que minha experiência como artista deixaria tudo extremamente fácil. Como já dizia Fausto Silva: errooou! Em poucos dias acabei vendo que uma coisa não tinha muito lá a ver com a outra e que, apesar de saber desenhar realmente ajudar um pouco, o processo como um todo ia muito além de habilidades artísticas.

Hoje, quase três anos - e dois novos modelos de ilustrações - mais tarde, separei com muito carinho esse tempinho para compilar alguns dos principais aprendizados que fui acumulando durante essa trajetória, sobretudo no que diz respeito às diferenças que aprendi na prática entre os dois tipos de ilustrações.

1. Embasamento

Todo estudante de Arte ou Design provavelmente já ouviu ou participou de alguma discussão que tentava diferenciar estas duas áreas. Apesar de uma série de discordâncias, eu particularmente adoto a teoria de que, enquanto a Arte não necessariamente possui a obrigação de atender a um propósito, o Design é, em sua essência, um mecanismo para resolução de problemas.

Nesse sentido, as ilustrações criadas para representar uma marca não devem ser pensadas unicamente sob o viés estético, mas sim com um olhar crítico voltado para identificar e solucionar possíveis dores dos usuários ou da empresa. Na prática, isso se faz através de um trabalho de pesquisa, que deve anteceder qualquer tipo de concepção visual ou materialização de conceitos.

No nosso caso, por exemplo, foi necessário entender mais a fundo o contexto em que o Méliuz estava e como poderíamos contribuir para ele, além de estudar tendências de design externas e como outras empresas as adaptavam para sua realidade. Isso fez com que tomássemos decisões com mais segurança e assertividade, tanto para os aspectos técnicos - cores, formas, composição -, quanto para traços mais subjetivos - estilo de vida e comportamento dos personagens.

As cores vivas, os traços arredondados e a ideia de movimento constante deram cara - e corpo - aos nossos primeiros personagens, que batizamos carinhosamente de Mel e Luiz. Jovens e simpáticos, eles representam o que o Méliuz é em sua essência.

- Diário de bordo das ilustrações, 2017

Mel e Luiz

2. Limitações da marca

Qualquer criação voltada para marca deve possuir um padrão a ser seguido, que ajudará a garantir a coesão com a identidade visual - e isso não poderia ser diferente quando falamos de ilustrações.

Enquanto nas composições de cunho artístico o céu é o limite, quando falamos da representação de uma empresa ou iniciativa, elas devem respeitar o guia visual vigente ou complementá-lo de maneira coerente, que não cause ruídos na comunicação. Isso quer dizer que, querendo ou não, o projeto já se inicia com uma série de delimitações - cores, formas, texturas, etc -, que podem ser usadas a seu favor quando pensadas como um atalho para a consolidação do novo modelo de ilustrações.

Além disso, estas limitações também dizem respeito a cada veículo ou meio de comunicação em que a marca atua, o que significa que um mesmo estilo de ilustração deve dialogar bem com todos os locais em que ele pode aparecer - da interface à peças promocionais em redes sociais. Sendo assim, se cada ponto de contato tiver um tom de voz distinto, as ilustrações devem ser adaptáveis o suficiente a ponto de fazerem sentido em todos, sem perder sua unicidade.

Através de testes visuais - também conhecidos como quebrar a cara até conseguir algo bom - , acabei descobrindo, por exemplo, que uma paleta de cores flexível pode ajudar muito nesse aspecto, uma vez que a colorização é capaz de mudar o nível de destaque dado às ilustrações na composição, ao mesmo tempo em que deixa a estrutura dos personagens inalterada, possibilitando seu reaproveitamento.

As ilustrações conversam bem com a interface, pela limpeza dos elementos, pela possibilidade de uma paleta neutra e pelo caráter realista das cenas. Esse último fator contribui também para a função explicativa, necessária em passo-a-passos, peças educativas e apresentações.

- Diário de bordo das ilustrações, 2019

Exemplos de aplicações: interface x redes sociais. A mesma personagem aparece em cores diferentes, tanto na ilustração em si, como na composição como um todo.

3. Escalabilidade

Esse para mim é um dos pontos mais importantes na hora de partir para a prática e trabalhar com ilustrações de marca no dia-a-dia. Desde o início, nosso modelo foi pensado a partir do ponto de que todos no time deveriam ser capazes de adaptar ou criar novas ilustrações, ainda que uma pessoa ficasse majoritariamente responsável pela produção. Essa escolha, ainda que limitasse de certa forma o nível de complexidade que iríamos adotar, ajudou a democratizar, escalar e agilizar o processo dentro da equipe.

Escalabilidade também diz respeito aos programas usados na criação e suas barreiras de recursos. No nosso caso, o software que usamos com mais fluência é o Sketch App, que é mais rápido e mais amigável que o Illustrator, por exemplo. Ao mesmo tempo, sua gama de ferramentas para a aplicação de texturas é bem mais reduzida, o que fez com que tivéssemos que tomar uma decisão acerca do futuro do estilo de ilustrações.

Pensando justamente em como deixar esse processo mais escalável em termos de velocidade e facilidade de produção, escolhemos deixar o Illustrator de lado e adaptar nossas necessidades estéticas a partir do que era possível fazer no Sketch - e, para nós, isso acabou funcionando muito bem! Claro que qual software usar ou não não é uma regra, mas o aprendizado em si foi como adequar nossos recursos da melhor forma possível em favor do time.

Apesar da fluidez nos traços das ilustrações, a estrutura dos personagens é modularizada, composta por um sistema de juntas. Esse modelo facilita a criação de novas posições a partir de outras já feitas, tornando mais simples seu desdobramento por todos os membros do time.

- Diário de bordo das ilustrações, 2019

Estrutura por trás dos personagens

Bom, gente, é isto! Espero que você tenha gostado do texto e que ele tenha ajudado de alguma forma na sua jornada. Tem dúvidas, questionamentos ou desabafos? Comenta aí para continuarmos essa conversa!

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