COP26: e lá vamos nós!… de novo

Maria Clara
Mídia Independente Coletiva
5 min readNov 3, 2021

No próximo domingo, 31 de outubro, líderes mundiais se reunirão em Glasgow, no Reino Unido, para a vigésima sexta Conferência das Partes das Nações Unidas (COP). A COP é uma conferência anual que reúne líderes políticos de 195 países para discutir medidas de contenção, adaptação e mitigação das mudanças climáticas e seus efeitos. Apesar de ser um fenômeno natural, o aquecimento global tem se intensificado devido à contribuição das ações humanas para a emissão de gases de efeito estufa. Há muitos anos, cientistas pesquisam e alertam sobre as consequências catastróficas de um planeta mais quente, como alteração nos regimes de chuva e seca e perda de biodiversidade em todo o planeta, apenas para citar alguns. Além dos graves efeitos sobre o meio ambiente, a crise climática pode facilmente se tornar uma crise humanitária: um planeta mais quente representa riscos à segurança alimentar, à saúde humana, à infraestrutura das cidades e do campo, além de perdas econômicas associadas a reparação de danos causados por desastres como enchentes e deslizamentos.

A primeira conferência das Nações Unidas sobre o clima ocorreu em 1995. Três anos depois, a conferência foi realizada no Japão e deu origem ao famoso Protocolo de Kyoto, o primeiro acordo no qual países industrializados se comprometeram a reduzir suas emissões de gás carbônico. Em 2015, o Protocolo de Kyoto deu lugar ao Acordo de Paris, na COP21. O ponto principal do novo documento foi o compromisso das nações em limitar o aquecimento global em 1,5°C em comparação à temperatura média global pré-industrial. Ou seja, já não basta reduzir emissões, é preciso fazê-lo de forma que o aumento da temperatura média do planeta — causado por tais emissões — não ultrapasse 1,5°C. Para cumprir com esse objetivo, as emissões globais de CO2 devem diminuir em 45% até 2030, e as estratégias propostas incluem promover a cooperação financeira e tecnológica entre países desenvolvidos e não desenvolvidos, e cooperação com povos indígenas para mitigação dos efeitos do aquecimento global.

Desde a primeira COP até agora, a ciência climática continuou avançando e fazendo previsões cada vez mais precisas sobre o futuro do planeta e indicando o que é preciso fazer para evitar as consequências de um aquecimento desenfreado. O compromisso dos líderes mundiais com a redução das emissões de CO2, no entanto, se mostrou no mínimo hesitante. Isso porque as emissões de gases de efeito estufa estão intimamente relacionadas a atividades econômicas como indústria, agropecuária, transporte de bens e de passageiros e, em grande parte dos países, com produção de energia elétrica em usinas térmicas. Portanto, reduzir emissões aos ouvidos de políticos, economistas, lobistas e empresários, se traduz em interferir na economia. E não em uma economia qualquer, mas sim uma que depende de produção e consumo cada vez maiores para crescimento e geração de riqueza.

A questão que fica, no final das contas, é: como quebrar o ciclo vicioso de produção, consumo, emissões?

Até o momento, a maior parte das soluções advém de inovações da ciência, tecnologia e engenharia, introduzindo processos produtivos mais sustentáveis e com impactos ambientais menores. Entretanto, todo este esforço não é mais do que paliativo dentro de um sistema econômico dependente da exploração dos recursos naturais e com um longo histórico de destruição ambiental. Por isso, desde o Acordo de Paris o foco tem se voltado para a construção de políticas públicas que consigam de fato envolver certos setores da economia e empresas no compromisso climático. Essa tarefa produz um desconforto entre setor público e privado, visto que muitas vezes os setores altamente implicados na crise climática são justamente aqueles de maior importância econômica para um país, ou mesmo para a economia global. A indústria do petróleo é um exemplo emblemático desses gigantes e até aonde eles irão para não terem seus privilégios tocados. Desde a década de 1970, gigantes do petróleo como a Exxon tem comprovadamente interferido não só na formação de políticas ambientais como também fizeram um grande esforço para colocar em descrédito as previsões da ciência e os avisos de perigo dos ambientalistas, causando ruídos na comunicação climática entre cientistas, políticos e o público em geral.

O negacionismo que se espalha hoje pela sociedade tem suas raízes em campanhas massivas projetadas e financiadas por indústrias que tentavam proteger sua ganância enquanto destruíam o meio ambiente de maneira irreversível.

Do outro lado da equação, os países em desenvolvimento, que menos contribuíram para a emissão de gases de efeito estufa na atmosfera, se preocupam não só com seu futuro climático, mas também com o econômico. Se a industrialização é o divisor de águas entre riqueza/pobreza, e também entre equilíbrio climático/crise climática, como os países do sul global poderiam se desenvolver economicamente sem jogar mais lenha no fogo do aquecimento global?

cartaz com os dizeres “justiça climática = justiça social” em manifestação em Nova York

A recusa em assumir responsabilidades por parte dos poluidores e a complacência do setor público frearam — para não dizer atrasaram — os diversos acordos internacionais e políticas públicas domésticas destinadas a conter a curva das emissões de gás carbônico: o último relatório da ONU mostra que, no ritmo atual de emissões, estamos caminhando para um aquecimento de 2,7°C. Não obstante, às vésperas da COP26, o lobby segue forte como nunca, pressionando pela flexibilização dos prazos e metas de redução de emissões. Na falta de ações concretas e sanções aos grandes poluidores, os acordos assinados correm o risco de se tornarem palavras vazias, com metas desatualizadas a cada lobby atendido. Com negociações que começaram a ser desenhadas há 26 anos, a ação climática agora se torna uma guerra contra o relógio se quisermos garantir um futuro minimamente confortável para todos na Terra. Nesse ínterim, o ativismo climático felizmente ganhou aliados importantes entre líderes sociais e a juventude ao redor do mundo. Em diversos países, o setor de petróleo, gás e carvão mineral tem sido alvo de protestos da sociedade civil, que demanda o fim de incentivos fiscais a empresas que exploram recursos não renováveis e poluem o meio ambiente. As mudanças climáticas terão impactos sobre a sociedade como um todo, e a participação da população no debate climático é essencial para disputar soluções verdadeiramente inclusivas, recusando aquelas que beneficiam apenas os interesses econômicos de setores que há muito tempo têm licença para esgotar e poluir. Nós podemos e devemos fazer frente ao lobby dos poluidores, pressionando por atitudes que abram caminho para a justiça social e climática e garantindo que o futuro do planeta e das próximas gerações não continue nas mãos daqueles que colocam o lucro acima da vida.

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Maria Clara
Mídia Independente Coletiva

Caçadora de mim. Foto da capa: Cristian Palmer on Unsplash.