PM’S SÃO ACUSADOS POR HOMICÍDIO DOIS ANOS APÓS A MORTE DE KATHLEN ROMEU

Kaolin Vesterka
Mídia Independente Coletiva
5 min readMay 30, 2023

Por Kaolin Vesterka — 22h29–29/05/2023

Aconteceu hoje (29/05) a primeira audiência de instrução e julgamento de Marcos Felipe da Silva Salviano e Rodrigo Correia de Frias, os dois PMs acusados no caso do assassinato de Kathlen Romeu, que foi morta em julho de 2021.

A resposta lenta do Estado em julgar casos de pessoas pretas, pobres e periféricas já é conhecida desde sempre: sempre dispostos a ceifarem vidas, e nunca dispostos a garantirem o mínimo de dignidade aos que lutam e buscam por justiça.

Familiares e apoiadores da Rede de Mães e Familiares de Vítimas de Violência da Baixada Fluminense estiveram presentes na audiência e se manifestaram pedindo por justiça.

A próxima audiência marcada para dia 07 de Agosto (2023) ainda ouvirá mais 5 testemunhas, das 9 convocadas para depor.

Segue na íntegra a carta aberta que foi lida por Jackeline Oliveira , a mãe da vítima, no final da audiência, com as pautas exigidas , assinada pela Federação de Favelas do Estado do Rio de Janeiro — FAFERJ, Comunidade Black, Familiares e amigos da Kathlen Romeu e Labjaca:

Carta aberta às autoridades e a sociedade fluminenseDois anos sem Kathlen Romeu e seu bebê

“Dias ruins, complexo do lins

Mais uma preta morre com bebe nas suas entranhas

Bala perdida estranha

Movida a pele negra

O jovem negro apanha

E a justiça não chega

Essa mentira toda vai ser pega”

Estamos de luto e em luta desde o dia 08 de Junho de 2021, quando o Estado matou Kathlen Romeu e seu bebê no ventre, próximo às 14h no Complexo do Lins. Policiais Militares da falida UPP do Lins, realizaram um troia e acabaram executando duas vidas inocentes, conforme tem sido rotina no Rio de Janeiro. De lá pra cá, não tivemos muito tempo pra chorar e ficar de luto, pois uma série de mentiras contra a memória da Kathlen e sua família não cessaram, bem como os preconceitos racistas contra a comunidade do Lins.

Nestes dois anos, mais dezenas de mulheres e crianças foram baleadas e mortas com armas do Estado, pouquíssimos casos envolvendo policiais militares caminham na justiça fluminense, demonstrando parcialidade e um critério jurídico racial para acusações e penalidades.

É preciso lembrar, Kath era uma jovem de 24 anos, mulher negra e cria da favela. Carregava em seu ventre esperança, uma vida negra em formação. Ela era símbolo de alegria, compaixão, amor e luta. Design de Interiores, a Kath estudou, se formou e trabalhou muito. Inclusive, quando caminhava com a avó na Rua Araújo Leitão, respondia uma cliente pelo Whatsapp; neste momento, foi atingida por um tiro de fuzil disparado por um policial, conforme concluiu o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro.

Jamais deixaremos que o legado de Kath se apague, ela sempre será lembrada como símbolo de coragem, como alguém que sonhou, realizou e movimentou estruturas. Nós, familiares, amigos e todo o Complexo do Lins, não tivemos tempo de ter medo ou de cumprir nosso luto, pois o fascismo e o racismo que hoje moram no Palácio Guanabara transformaram a PMERJ em uma máquina que atira em qualquer um que seja negro e esteja numa favela. Não somos contra o trabalho da polícia, mas todas vez que esta instituição entra em uma favela, morrem inocentes.

Depois que matam, sujam a imagem dos que morreram e inventam as histórias de confronto como se justificasse tudo. A lógica continua sendo a oficial do Governo do Estado, que até sequer fez uma errata na versão desmentida pela investigação da Polícia Civil e Ministério Público.

É razoável que o caso da Kathlen e seu bebê leve um ano para que os policiais que atiraram sejam considerados réus? É razoável que após a acusação, o julgamento leve mais um ano para começar? Há uma conivência macabra do judiciário fluminense com as rotineiras execuções nas favelas do Rio, inclusive quando se trata de mulheres grávidas e crianças? E se fossem uma jovem grávida branca e moradora do Leblon?

Continuamos sem informações concretas sobre o caso. Não saabemos se os policiais que participaram da Troia (operação ilegal, que tem burlado a ADPF das FAVELAS), se estão afastados das ruas ou não. Sem justiça, a família e amigos da Kathlen continuam em risco, pois o Estado não ofereceu apoio, segurança ou garantias para nós.

Os acusados tiveram identidades e rostos preservados, enquanto as vítimas tiveram até dados vazados. O Ministério Público resolveu o caso do menino Henri em poucos meses, mas quando se trata de uma jovem negra grávida com seu bebê na barriga, demorou mais de um ano para fazer as acusações. E agora mais um ano até começar o julgamento?

O ministério Público ganhou da Constituição Federal (1988) a nobre função de controlar a ação policial, para que não impere a lei do mais forte e muito menos que as armas do Estado sejam apontadas para os cidadãos, mas tem se omitido com frequência em casos das favelas cariocas neste contexto.

O caso da Kathlen Romeu é emblemático para todas as favelas do Rio e vítimas de violência do Estado. Seja por ter ganhado foco no debate público, seja por repetir as máximas de letargia e desfuncionalidade da justiça brasileiro quando se trata de vítimas do Estado. Há provas, testemunhas, laudos da própria Polícia Civil e Ministério Público — maioria conseguidos pela ação da família e amigos — que comprovam que não houve confronto algum; Kathlen foi vítima de uma ação ilegal da PMERJ, apoiada pela política de segurança pública do Rio de Janeiro, que se caracteriza e se fortalece com o genocídio da população negra, mais um capítulo do apartheid carioca. O racismo mata, impede que haja justiça e mancha a memória de inocentes nas favelas do Rio de Janeiro.

Basta ser negra ou negro, pobre, trabalhador ou favelado que sua vida vale menos.Precisamos unir esforços para evitar a perda de vidas inocentes, proteger moradores de comunidades, jovens negros, mulheres, grávidas. Um primeiro passo deve ser a imposição da justiça diante da violência excessiva do Estado, que mata, mas não garante direitos e muito menos paz.

Por isso, pautamos:

● Os acusados do assasinato da Kathlen e seu e Bebê devem ir a júri popular

● Retratação pública do Comando Geral da PMERJ pela ação ilegal que resultou na morte da Kathlen e seu bebe;

● Retificação da versão oficial PMERJ sobre o caso ;

● Fim das Tróias: aprovação imediata do PL Kathlen Romeu, 4631/2021(ALERJ) ;

● Câmeras nos uniformes policiais já: cumprimento das Leis 5588/2009 e 2830/2020;

● Garantia de proteção do Estado para familiares e amigos da Kathlen Romeu;

“Sua memória é a prova de balas”

Rio de Janeiro, 29 de maio de 2022 Federação de Favelas do Estado do Rio de Janeiro — FAFERJ Comunidade Black — Familiares e amigos da Kathlen Romeu LabJaca

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