Feminismo negro nas plataformas: o caso Blogueiras NEGRAS

Heidy Vargas
8 min readDec 10, 2021

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Heidy Vargas

É visível que cada vez mais mulheres negras produzindo e divulgando suas opiniões e experiências nas plataformas e redes sociais. Elas lançam mão das tecnologias da comunicação para construir e dar visibilidade à cidadania afro-brasileira compartilhando relatos das histórias de racismo, machismo, sexismo e afirmação da beleza e das ações negras nos mais diversos espaços como blogs, sites, canais como Youtube, Instagram e Facebook ou compartilhando suas opiniões no Twiter e no Tik Tok. O alcance publicações pessoais do feminismo negro é imensurável e revelação o quanto é emergencial o debate da cidadania negra. Nesta reflexão vamos nos orientar por três etapas: as redes, os movimentos sociais e a identidade e a cibercultura.

Contar tais histórias para as mulheres negras continua a ser um desafio. Ser negro e ter o atenuante de ser mulher amplia a desigualdade em diferentes setores da sociedade. As relações de poder presentes na história do nosso país colocam o negro não só na condição de pobreza, mas em extrema desigualdade. Paralelo a isso, ser mulher expõe a pessoa a outros tipos de violência como o machismo e o sexismo. Sueli Carneiro, em seu artigo “Enegrecer o feminismo” (2003) coloca que o lugar de uma mulher negra nunca foi o de frágil como no feminismo tradicional e que é preciso compreender que uma mulher negra não consegue cuidar de casa e dos filhos, pois é impedida por um esquema de exploração histórico.

Diante de tais fatores, fica evidente a comprovação de contar histórias negras como um ato de afirmação identitária e resistência. É neste espaço que elas deixam de ser invisíveis e suas pautas e passam a ser debatidas. Desta forma, destacamos o Blogueiras Negras - informação para fazer a cabeça [1] como um exemplo de atuação feminista negra com diferentes colaborações temáticas. O blog surgiu em 8 de março de 2012, no Dia Internacional da Mulher, e reúne mais de 200 autoras que colaboram produzindo diferentes textos 5 vezes por semana. Até dezembro de 2021, o blog tinha 45 mil seguidores. A luta é contra o racismo, sexismo, lesbofobia, transfobia, homofobia, classicismo e gordofobia. Também um espaço de troca de experiências e notícias além de valorização da negritude. Sem site, na abaSobre , há um texto de Inaldete Pereira de Andrade [2] que diz:

Nossa missão é promover a livre produção de conteúdo, partindo do princípio de que às mulheres negras sempre que foi negado lugares e discursos. Queremos dar visibilidade aos nossos assuntos e nos tornarmos protagonistas de nossas lutas e vidas. Nossa missão é também ressignificar o universo feminino afrocentrado através da gravação de nossas histórias, teorias e sentimentos. A produção escrita é a forma principal em que nós construímos a nossa própria identidade como mulheres negras de ascendência africana. Mulheres, caneta e teclado para reinventar a tela e amplificar nossas vozes e nossas vidas, produzindo informação para fazer a cabeça (ANDRADE, site).

No texto acima o termo identidade é citado como fator de união entre as mulheres negras e para isso é preciso entender que identidade é vista aqui como a relação do indivíduo com a sociedade e que neste momento passa por profundas mudanças. Trata-se de uma relação dialética entre o indivíduo e a sociedade. Stuart Hall (2011, p.9) lembra que as “velhas identidades que por tanto tempo estabilizaram o mundo social, estão em declínio, fazendo surgir novas identidades e fragmentando o indivíduo moderno, até aqui visto com um sujeito unificado.” E Hall continua relatando o abalo nas estruturas (2011, p.10) e que os “quadros de referência” na cultura como o gênero, classe, sexualidade, raça, etnia e até nacionalidade, que antes nos forneciam sólidas referências, agora , passam por um processo de deslocamento.

Essa perda de um “sentido de si” estável é chamada, algumas vezes, de deslocamentos ou descentração do sujeito. Esse duplo deslocamento - descentração dos necessários tanto de seu lugar no mundo social e cultural quanto de si mesmos - constituir uma crise de identidade para o indivíduo (HALL, 2011, p. 10).

Uma segunda perspectiva necessária é entendido no contexto da pós-modernidade, que é um tema complexo e não tem traços distintivos claros. Diferente da modernidade com suas certezas objetivas, uma pós-modernidade se instala nas brechas das dinâmicas sociais como um novo padrão cultural, um tipo de dinâmica social aliada a uma nova ordem econômica. Fredric Jameson, filósofo e crítico literário marxista, (1996, p. 29), coloca que o pós-modernismo é uma lógica cultural, vindo do capitalismo tardio, posterior à Segunda Guerra. Já para o sociólogo britânico, Mike Featherstone, o pós-modernismo se baseia no papel central da reprodução da “rede global descentralizada” do capitalismo multicultural contemporâneo e isso impacta numa expansão do entendimento de cultura para toda a nossa vida social (1995, p. 26). Para entender o pós-modernismo é preciso-lo no patamar de segundo nível da cultura e sentido os “processos de desmonopolização e desierarquização” dos espaços culturais tradicionais, o que chama de mudanças no plano intra-social, mas também tem o plano intersocial alterando o poder e afetando a fala de intelectuais e artistas em detrimento do valor do indivíduo. Neste cenário pós-moderno e com as identidades em crise a comunicação está em transformação e desponta diante da mediação dos computadores e assim fica compreensível entender o surgimento dessas produções feministas negras na internet. Para Castells (2020), a sociedade deveria ser organizada em torno de redes muito flexíveis e que tem uma capacidade sem limites de expansão e trocas. E é neste universo de trocas que vamos compreender o feminismo negro nas Blogueiras Negras.

E por que pensar nas redes sociais e nas plataformas? É sabido que as mídias tradicionais estão configuradas em um universo dominado pela hierarquia e pela distribuição de cima para baixo, ou seja, do emissor para o receptor. A cibercultura surge como um espaço diferenciado em que é permitido ser parte do processo comunicacional, estar conectado à rede e transmitir a sua informação. Ou seja, um conjunto de pessoas conectadas que criam lógicas comunicativas de intercâmbio, flexíveis, formam laços e muitas vezes determinado ou não transformações sociais. André Lemos (1997) compreende que as práticas da cibercultura passam pela cooperação intensificando o sabre compartilhado e uma distribuição direta, assim constroem processos coletivos valorizando diferentes produtos culturais.

Mas a rede não é um espaço ausente de neutralidade. Safiya Noble (2018) aponta que mecanismos de busca do Google não são isentos para a divulgação de diferentes identidades e crenças. A discriminação ainda é um problema real principalmente no meio digital, pois a combinação de interesses de empresas privadas aliados a promoção de sites reduz a possibilidade do mecanismo de busca que orienta a ação a um conjunto de resultados reduzidos e que privilegiam sempre a branquitude. É o racismo algorítmico, que mantém uma desigualdade em um ambiente que deveria ser livre. Pensar no movimento feminista negro é pensar a interseccionalidade levando em consideração que os sistemas discriminatórios existem e migram dentro da estrutura perpetuando desigualdades. Tarcízio Silva (2021) afirma que nos ambientes digitais o desafio é ainda maior, pois o racismo se imbrica nos recursos de busca, no reconhecimento facial e até no processamento de imagem. Para ele, “Os sistemas algorítmicos tomam decisões por nós e sobre nós com frequência cada vez maior” (2021, p. 131). Silva considera estas ações como microagressões, elas são violências sutis e paralisante que ocorrem com frequência e precisam ser debatidas e combatidas. Do ponto de vista das agressões, fica cada vez mais claro a importância das produções culturais na internet que debatam a negritude. elas são violências sutis e paralisante que ocorrem com frequência e precisam ser debatidas e combatidas. Do ponto de vista das agressões, fica cada vez mais claro a importância das produções culturais na internet que debatam a negritude. elas são violências sutis e paralisante que ocorrem com frequência e precisam ser debatidas e combatidas. Do ponto de vista das agressões, fica cada vez mais claro a importância das produções culturais na internet que debatam a negritude.

Assim, olhando mais perto do blog é referência para as mulheres negras jovens. Entre os temas exclusivos podemos destacar a violência, memória, valorização da cultura afro-brasileira, racismo, afeto, política, saúde, literatura entre outros. Os formatos textuais variam. Texto opinativo (editorial), em primeira pessoa (experiências), texto informativo, poesia são alguns dos exemplos. É possível ver também shows, vídeos, podcasts e galeria de fotos. O produto em questão compartilha saberes e experiências colaborando com a descentralização do conhecimento e a democratização do acesso quando divulga um manual de publicação para qualquer pessoa que deseja ver o seu texto no site e sentido o passo a passo. O blog pode ser considerado espaço próprio e original, que se orienta pela temática única, Inclue e capacita afrodescendentes a se comunicarem e a exercer a cidadania. Desta forma, acredita-se que as redes e suas produções culturais operam na trajetória de constituição da negritude brasileira, um lugar de lastro para a visibilidade de temas importantes para uma sociedade

Por permitir uma participação maior dos sujeitos em geral, vamos analisar a homedo Blogueiras Negras e entendre as suas características gerais. A identidade visual do logo é uma mulher negra altiva, olhando para cima, e as palavras blogueiras Negras em destaque sendo que a última é escrita em caixa alta e em vermelho. O destaque para a palavra NEGRA deixa claro o objetivo da comunicação, tocar mulheres negras. Quase todas fotos usadas trazem a imagem da mulher negra autônoma, forte e empoderada. A utilização de colagens dialoga com o universo da pós-modernidade. Não há um tema específico, mas diversos olhareses como resistência, violência, cinema, televisão, cotidiano. O alto da página fica para o tema memória em que uma autora Charô Nunes fato do ato de lembrar para que nunca esqueçamos. Palavras das escritas na homeMulheres negras é a que mais é repetida, em segundo lugar temos a palavra de comunicação. O que não deixa dúvida do objetivo e a quem está endereçada essa produção.

Desta forma, as práticas comunicacionais do movimento negro feminista estão em consonância com o fluxo da sociedade de informação e da expansão das mídias digitais. O papel destas produções culturais em rede é reunir e grupos na transformação da cidadania e de seus direitos. Pautas como o uso dos cabelos crespos ou cachados não atinge só o bem-estar essas mulheres, mas valoriza a cultura afro-brasileira. Depoimentos como a mulheres que viveram situações de racismo dá clareza para outras mulheres se posicionarem de forma ativa caso sejam nascidos da mesma violência. Estas são comunicações cidadãs que orientadas pela tecnologia articulam movimentos, políticas, ações. De um caminho marcado pela denúncia negativa da mulher negra na mídia,

Referências

ANDRADE, Inaldete Pereira. Blogueiras Negras . Disponível em: http://blogueirasnegras.org

CARNEIRO, Sueli. “Enegrecer o feminismo: a situação da mulher negra na América Latina a partir de uma perspectiva de gênero”. In: ASHOKA EMPREENDIMENTOS SOCIAIS; TAKANO CIDADANIA (Orgs.). Racismos contemporâneos . Rio de Janeiro: Takano Editora, 2003. p. 49–58.

CASTELLS, Manuel. Sociedade em Rede . 21ª ed. V. 1. São Paulo: Paz e Terra, 2020.

FEATHERSTONE, Mike. Cultura do consumo e pós-modernismo . S. Paulo: Studio Nobel, 1995.

HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade . 11ª ed., 1ª reimpr., Rio de Janeiro: DP&A Editora, 2011.

JAMESON, Fredric. Pós-modernismo : uma lógica cultural do capitalismo tardio. São Paulo: Ática, 1996.

LEMOS, André. Anjos interativos e retribalização do mundo: sobre interatividade e interfaces digitais . 1997. Disponível em www.facom.ufba.br/pesq/cyber/lemos/interac.html . Acesso em: 9 dez. 2021.

NOBRE, Safiya. Algoritmos de opressão. Como os motores de busca reforçam o racismo . Nova York: NYUP, 2018.

SILVA, Tarcízio. Comunidades, Algoritmos e Ativismos Digitais: Olhares Afrodiaspóricos . São Paulo: Literarua, 2021.

[1] http://blogueirasnegras.org/

[2] http://blogueirasnegras.org/quem-somos/

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Heidy Vargas

Adora jornalismo e documentário. É professora de audiovisual e doutoranda em comunicação.