Bruno Roberto
Música Crônica
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4 min readJun 20, 2022

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Arte: Danielle Lima

Em 2018, quando o apocalipse ainda não tinha começado, procurava alguma coisa para assistir na Netflix e me deparei com “Alex Strangelove”, um desses filmes adolescentes que a gente assiste sem esperar grandes coisas. Não tinha nada ali que me chamasse muito a atenção, exceto por uma cena em que o protagonista vai para uma festa onde uma banda toca uma música extremamente dançante. Era MUNA fazendo uma participação com “I Know a Place”, uma de suas primeiras e mais famosas músicas, cuja letra descreve perfeitamente o sentimento daquela cena:

“Eu conheço um lugar / Eu conheço um lugar aonde podemos ir / Onde todos vão baixar as armas / Basta confiar em mim e ver o que vai acontecer”

Depois entendi que a escolha da música para aquele momento fazia total sentido porque, assim como o filme, “I Know a Place” é sobre encontrar um lugar onde é possível ser vulnerável e encontrar a si mesmo a partir disso. Sem grandes questões. É o tipo de som que poderia muito bem substituir o hino “Dancing on My Own”, da Robyn. Em vez de se lamentar por um amor não correspondido com os versos “eu estou no canto, assistindo você beijá-la” e “eu estou bem aqui, por que você não consegue me ver?”, MUNA canta sobre “ficar bêbados com vinho barato” e “não ter medo de amor e carinho”. Tudo isso com aquela pegada synth-pop que a gente adora.

O trio é formado por Katie Gavin, Josette Maskin e Naomi McPherson. Todas se identificam como queer e isso faz, ao mesmo tempo, total e nenhuma diferença na música do grupo. Elas se conheceram na faculdade há dez anos e tornaram-se amigas. De novo, sem grandes questões. Até o nome da banda foi escolhido, segundo Gavin, “como quem escolhe um nome de cachorro”: de forma completamente aleatória e despida de conceitos cabeçudos e interpretativos. Pois é, sem grandes questões.

(Josette Maskin, Katie Gavin e Naomi McPherson para o Pitchfork.)

A leveza com a qual o trio parece levar a vida é refletida na estética visual e sonora, mesmo quando as músicas — predominantemente escritas por Gavin — falam sobre desilusões amorosas e angústia. No álbum de estreia “About U”, lançado em 2017, a maioria das faixas trata de temas que fazem o adolescente deprimido que vive dentro de cada um de nós se sentir contemplado (recomendo “So Special” e “Crying on the Bathroom Floor”). Ainda no mesmo ano de lançamento do disco, MUNA saiu em turnê com Harry Styles, o esquerdomacho favorito da mídia.

Em 2019 o álbum “Saves the World” trouxe os mesmos temas, mas com “menos melodrama e mais compaixão”, segundo uma crítica do site Pitchfork. A questão não era mais quem causava as angústias expressas nas letras das músicas, mas o que causava. O ápice dessa evolução foi o single “Silk Chiffon”, que viralizou graças ao público Gen Z do TikTok. Em plena pandemia, jovens faziam dancinhas e cantavam como “a vida é tão divertida”. Pode parecer superficial, mas esse tipo de otimismo pode fazer total diferença na vida de um adolescente queer que se viu subitamente trancafiado numa casa com pais conservadores.

MUNA definitivamente não é “uma banda gay” ou um “uma versão gay de HAIM”, como disseram alguns críticos (possivelmente velhos e hétero). O trio tem sua própria estética e afirmação, fazendo parte da nova leva de músicas, filmes e séries que apresentam a vivência queer como ela pode ser: leve, tranquila e (novamente) sem grandes questões. Poder ouvir uma música sobre um romance LGBT que deu certo é como respirar aliviado depois de crescer aprendendo que quem não faz parte da heteronormatividade está fadado ao sofrimento. A vida é sim mais difícil, mas não precisa ser difícil o tempo inteiro.

O álbum “MUNA”, do qual “Silk Chiffon” faz parte, será lançado no dia 24 de junho. Segundo Gavin, “todo artista quente tem um terceiro álbum homônimo”, apesar de que o mais comum é o disco de estreia levar o nome da banda no título. É mais uma brincadeira que mostra que, na verdade, o trio não pretende ser “quente” ou estar sempre no topo, mas apenas fazer boa música sobre relações e sentimentos de pessoas queer no século XXI. E isso já é mais que o suficiente.

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