Bruno Roberto
Música Crônica
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3 min readOct 5, 2022

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Arte: Danielle Lima

A cena em que o serial killer Buffalo Bill dança em frente ao espelho se tornou uma das mais icônicas de “O Silêncio dos Inocentes”. O momento é relembrado sempre que o assunto é o filme de 1991, mas pouca gente parece se lembrar da música que toca ao fundo enquanto o assassino posa para si mesmo — provavelmente porque a cena é difícil de assistir por causa da tensão gerada pela tentativa de fuga de uma de suas vítimas. Trata-se de “Goodbye Horses” da Q Lazzarus.

Ela pode ser considerada só mais um caso de “one-hit wonder” (artista de um hit só), mas sua história mostra como o acaso pode ser implacável justamente pela sua aleatoriedade. Diane Luckey — nome de batismo com um sobrenome que, ironicamente, remete à palavra “sortudo” em inglês — nasceu em 1960 em Nova Jersey e teve uma vida perfeitamente comum. Nos anos 80, morando em Nova York e buscando um espaço na indústria musical, já gravava demos com sua banda “Q Lazzarus and The Resurrection” na casa de um empresário Inglês, onde trabalhava como babá e empregada doméstica. Mas, apesar dos esforços, tudo o que rolou foi uma sequência de portas fechadas e “nãos” de várias gravadoras que alegavam que não conseguiam vender sua imagem por causa dos dreadlocks que ela usava.

Quando trabalhava como taxista, Diane fez jus ao próprio sobrenome quando, durante uma nevasca, conduziu o cineasta Jonathan Demme e colocou sua fita demo para tocar no aparelho de rádio do carro durante o trajeto. O diretor ouviu as canções e perguntou surpreso: “meu Deus, o que é isso e quem é você?”. A partir daí a música “Candle Goes Away” passou a fazer parte da trilha sonora do filme “Totalmente Selvagem” (1986), dirigido por Demme.

Em 1988 o hit cult “Goodbye Horses”, escrito e produzido por William Garvey — membro da banda de Q Lazzarus — foi lançado. Depois de compor as trilhas de dois filmes de Damme (“De Caso com a Máfia” e “O Silêncio dos Inocentes”) com sua música mais conhecida, a cantora fez uma participação no longa “Filadélfia” — também dirigido pelo seu passageiro preferido — na qual canta um cover inacreditável da música “Heaven” do Talking Heads. Tudo indicava que os dias de luta dariam lugar aos dias de glória.

Q Lazzarus em “Filadélfia” (1993)

Até que, em 1996, a banda de Q Lazzarus se desfez e ela sumiu do mapa. Da mesma forma com a qual ela apareceu na vida pública, desapareceu dela: de repente. Nos anos seguintes, surgiram alguns rumores sobre a artista por causa de um tweet de 2017 no qual um perfil que alegava ser a própria Diane Luckey afirmava que ainda estava viva, trabalhava como motorista de ônibus em Staten Island e que não tinha mais interesse em cantar. Em agosto de 2022 ela voltou a ser notícia quando uma amiga chamada Eva Aridjis confirmou a morte da cantora à Rolling Stone. A causa não foi divulgada.

Talvez, em algum lugar do multiverso, Lazzarus seguiu assinando contratos depois da parceria com Jonathan Demme. Talvez ela até tenha ganhado status de lenda da música. Na nossa realidade, talvez ela de fato se torne mais conhecida com o documentário “Goodbye Horses”, que tem lançamento previsto para 2023 e que vem acompanhado de um álbum com músicas inéditas da artista. Mas a assustadora verdade é que até o destino escolhe seus favoritos e que a indústria do entretenimento (e a vida, em geral) pode ser imprevisível e aleatória.

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