Bruno Roberto
Música Crônica
Published in
4 min readMar 6, 2023

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Arte: Danielle Lima

Em março de 1990, a MTV do Reino Unido transmitia uma entrevista com um casal excêntrico:

– “O que inspira vocês?”

– “Sexo e horror”

Essa resposta poderia facilmente ter sido dada por Gomez e Mortícia Addams, mas os entrevistados eram Lux Interior (vocalista) e Poison Ivy (guitarrista), da banda The Cramps. A entrevista foi realizada na época de lançamento do disco “Stay Sick!”, de 1990. Mas em 2022, mais de uma década depois da morte do vocalista, o grupo ressuscitou como um zumbi de um filme de terror B quando foi descoberto pelo TikTok. E tudo por causa da icônica cena da série “Wandinha” em que a atriz Jenna Ortega dança a música “Goo Goo Muck” da forma mais estranha e fascinante possível.

Baseada na família macabra criada pelo cartunista Charles Addams cujos quadrinhos foram publicados na revista The New Yorker entre os anos 1940 e 1950, a série protagonizada pela primogênita dos Addams se tornou a terceira mais assistida na Netflix. Apesar de ainda não ter superado o sucesso de “Stranger Things 4”, “Wandinha” fez algo para os Cramps semelhante ao que “Stranger Things” fez para Kate Bush. Miraculosamente, no meio de tanto “tubarão, te amo” e “falcão, te amo”, a internet também foi tomada por vídeos de crianças vestidas de preto ostentando suas tranças enquanto tentam imitar os passos de dança da Wandinha.

“Goo Goo Muck” é uma cover punk de uma música criada em 1962 por Ronnie Cook e o grupo The Gaylads. Grande parte do repertório dos Cramps é de versões soturnas e cheias de duplo sentido de canções originais de rockabilly e blues. A fusão desses gêneros deu origem ao psychobilly, ritmo que combina deliciosamente com a estética visual da banda — influenciada por filmes de terror de baixo orçamento e um estilo pouco convencional, pra dizer o mínimo.

Mas nada disso importa. Segundo o próprio Lux, o que eles fazem é Rock e ponto. E quem manda na porra toda é a Poison Ivy que, segundo ela, é “a rainha do Rock ’n’ Roll e não reconhecer isso é puro sexismo”. Não à toa, ela é referência para várias outras mulheres guitarristas desde o início da banda, que estreou em 1976 no CBGB, em Nova York.

Lux Interior e Poison Ivy / Michael Lavine, 1991

Pouco depois do show de estreia, a banda fez uma apresentação antológica em 1978 no hospital psiquiátrico de Napa, na Califórnia. Lux disse em uma entrevista que eles sempre quiseram tocar em um hospício porque o público nunca era do jeito que eles esperavam que fosse. E a entrega da plateia foi tanta que 16 pacientes fugiram do hospital naquele dia. Dá para dizer, sem sombra de dúvida, que esse show é a definição de Punk. Depois de tocar “Mystery Plane”, Lux diz para o público: “Nós somos The Cramps, viemos de Nova York e dirigimos 3.000 milhas para tocar para vocês”. “Foda-se!”, grita um paciente. Lux continua: “E alguém me disse que vocês são loucos, mas não tenho tanta certeza disso. Para mim, vocês parecem estar bem.”

À medida que o universo dos Cramps é explorado, mais evidentes ficam as semelhanças entre tudo o que faz a banda ser única e o que fez da Família Addams uma franquia tão amada. A principal delas é que a bizarrice e rebeldia dos Addams e dos Cramps sempre foi prosaica e cotidiana. Ambos não têm a pretensão de transmitir uma grande mensagem de luta contra o establishment (mesmo que o fizessem meio sem querer), embora o choque fosse inevitável e a tentativa de censura constante.

Em 2022, Kid Congo Powers (ex-guitarrista dos Cramps mais conhecido pelo trabalho com ninguém menos do que Nick Cave) publicou a autobiografia “Some New Kind of Kick”, onde fala sobre Lux e Ivy:

“Os Cramps acreditavam que eram uma entidade mágica. Eles acreditavam em fenômenos psíquicos, fantasmas e espíritos. E que todos os desajustados e malucos, como eles, eram pessoas que vieram de algum outro planeta. Para Lux e Ivy, qualquer verdadeiro inconformista era visto como uma pessoa mágica.”

Em 2004, durante uma das últimas aparições públicas do casal, Lux e Ivy disseram estar felizes porque compraram uma casa em Glendale. Segundo eles, era o lar ideal por estar localizado perto do cemitério: “nós somos vampiros, então é o lugar perfeito”, comentou Lux. Os Cramps se diziam seres fantásticos e imortais e, assim como os Addams e a Wandinha, de certa forma eles são mesmo.

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