Narrando uma apresentação

Transformando uma mera apresentação em uma história que atinge o seu público

Amaury Souza
Apple Developer Academy | Mackenzie
7 min readJun 19, 2019

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Uma das experiências mais familiares a um profissional ou estudante é a de ter que sentar e ouvir alguém falar, seja em uma aula, palestra ou apresentação. Em algumas dessas situações o orador nos leva de forma quase mágica à terra dos sonhos, do almoço, de qualquer lugar que não aquela sala. Em outras, mesmo com temas áridos à primeira vista, nos encontramos engajados, curiosos, às vezes até tocados de forma pessoal por aquela apresentação.

O objetivo deste texto é apresentar ferramentas para que você seja o orador que gera o segundo tipo de vivência na sua platéia. Essas ferramentas me foram apresentadas por profissionais extremamente competentes em comunicar algo através de uma palestra e são em grande parte baseadas no livro Resonate: Present Visual Stories that Transform Audiences, de Nancy Duarte.

Tal qual em um texto (e nos parágrafos acima), o objetivo de um palestrante no primeiro momento é conquistar sua audiência. Para isso, existem algumas questões que devem ser respondidas: Do que você está falando? Por que eu deveria te ouvir? Algumas palestras dispensam esse tipo de apresentação devido a credenciais ou fama anterior do palestrante, o que não é meu caso (e provavelmente nem o seu).

É o caso, no entanto, de Tim Urban, autor de um dos TED talks que usarei como referência para ilustrar os pontos deste texto. Recomendo fortemente que você assista aos vídeos linkados no texto (tanto para que você entenda melhor as ideias apresentadas quanto pela qualidade dos conteúdos em si).

Legendas em português disponíveis

A palestra acima começa direto com a narrativa de uma história pessoal de Urban. Os primeiros momentos já apresentam algumas técnicas essenciais para que você possa se conectar com seu público: Urban está falando sobre algo que é pessoal e ao mesmo tempo é familiar para a platéia. Ele está sendo sincero, contando sobre um conflito pelo qual passou, e a verdade em suas palavras é completamente absorvida pelo público. A verdade importa. Você provavelmente já teve aulas com aquele professor que mal se importava ou sabia (!!!) a matéria, ou talvez já tenha visto alguém apresentar um produto ou ideia na qual não acredita. Por que eu deveria me importar com o assunto se o orador não se importa?

Outro recurso utilizado por Urban e que não deve ser subestimado é o uso sábio de slides. Eles não são explicativos, não apresentam grande volume de informações. Ao invés disso, ilustram e reforçam o humor na fala de Urban sem tirar o foco de seu discurso, e essa função das imagens se extende pelo talk inteiro. Humanos não são bons em multitasking, e se você está lendo um slide extenso, provavelmente não está conseguindo prestar atenção na fala que o acompanha.

Com estes recursos e um humor engenhoso em seus slides e fala, Urban passa aproximadamente 10 minutos destrinchando o processo de procastinação. Repare que a fala dele é sempre baseada em uma história, e o próprio processo de procastinar é ilustrado por personagens que interagem entre si. Nós somos muito mais dispostos a prestar atenção em uma narrativa do que em uma simples exposição, então Urban transforma a exposição do funcionamento de um comportamento em uma narrativa.

Aos 9:55 do vídeo, algo diferente começa. Tim apresenta a informação de como a procastinação afeta seus leitores e de como muitos se sentem frustrados e arrependidos com o comportamento. E, construído este contexto pesado, ele aponta para a platéia e diz: todos vocês são procastinadores. Não só isso, mas ele aponta que a vida é finita, e ainda assim todos estamos sempre adiando algo. Este momento é chamado de S.T.A.R. moment (Something They’ll Always Remember — algo de que eles sempre lembrarão). Este é o momento no qual a atenção do público é máxima, o que foi demonstrado vai ficar na mente do público.

Urban finaliza sua palestra com a chamada call to action (o chamado para a ação). Tal qual o personagem principal de um livro, o público é provocado a agir em relação ao que lhe é apresentado. Dado que estamos todos adiando algo e que nossas vidas são finitas, Urban recomenda a reflexão sobre nossas prioridades e sobre o que está sendo deixado de lado. A sugestão de ação é clara, e assim deve ser o call to action.

Perceba que em nem todo contexto todos estes elementos são pertinentes a uma apresentação. Uma aula, por exemplo, geralmente não tem um STAR moment, e nem é saudável tentar fabricar isso (voltamos ao ponto de como a verdade do que se diz é importante). Mas existem elementos que o professor pode incorporar: talvez uma apresentação de slides mais simples ajude o aluno a se concentrar na discussão em sala. Talvez uma história envolvendo um conceito da aula e justificando sua importância possa envolver melhor o estudante.

Legendas em português disponíveis

O segundo TED Talk sobre o qual eu quero falar é o de Amanda Palmer, chamado The art of asking. Através de histórias ela discute o mérito de pedir que o público pague voluntariamente ao invés de colocar um preço fixo na arte.

Além de se utilizar de todos os mesmos recursos que Tim Urban (sinceridade, histórias pessoais reais, slides simples, um assunto importante para o palestrante), Palmer apresenta dados concretos sobre como o que ela propõe funciona, falando sobre a estabilidade de sua renda desde o início de carreira como estátua viva até o seu (na época) recente sucesso no Kickstarter. Este é outro elemento de uma apresentação excepcional: o conhecimento de causa. O orador que viveu ou pesquisou intensamente o assunto da apresentação conseguirá apresentar mais informações relevantes de forma melhor para o público.

Outros pontos que valem ressaltar: para Palmer o talk não é apenas sobre pedir que o consumidor pague voluntariamente, mas também sobre a forte conexão do artista com o público. A carga emocional presente em sua fala é clara, e isso fortalece a mensagem. Além disso, ao final de sua apresentação ela também faz um chamado para a ação: e se parássemos de nos perguntar como fazer as pessoas pagarem por música e ao invés disso nos perguntássemos como deixar que as pessoas paguem por música? Novamente, o chamado para ação é claro e objetivo.

Outro tópico que quero abordar é a estrutura da narrativa. Ela está presente em todos os vídeos, mas quero mostrá-la num contexto de apresentação de produto, e para isso utilizarei a apresentação na qual Steve Jobs revelou o primeiro iPhone ao mundo.

A primeira fala de Jobs é que ele tem esperado por este dia há dois anos e meio. Logo em seguida, começa a contar sobre a história de produtos Apple que revolucionaram um mercado. Esta construção já gera grande expectativa, e ao longo de sua fala ele vai brincando com esse sentimento de excitação do público.

Repare na estrutura da apresentação e repare no gráfico de emoções que as falas vão criando. Jobs começa deixando subentendido que vai apresentar algo incrível. Logo em seguida, diminui um pouco o nível de emoção apresentando produtos anteriores e sua relevância. Imediatamente depois o nível emocional sobe novamente com ele falando que apresentará três produtos revolucionários naquele momento. Esta drástica elevação no nível de expectativa do público é chamada de beat. Beat é o nome que se dá ao momento em que o status quo é alterado durante uma apresentação.

Aos 3 minutos de vídeo temos a estrutura narrativa do beat extremamente bem demonstrada. Jobs conta sobre como os smartphones da época eram, e argumenta que não eram tão espertos e não eram nada fáceis de usar. O beat ocorre quando ele propões que a Apple criou um produto extremamente inteligente e extremamente fácil de usar. Esta diferença do que é e do que poderia ser caracteriza o beat e traz uma resposta emocional da platéia. Para manter um público engajado é possível incorporar vários desses momentos em sua fala.

Outro ponto importante: Steve Jobs conhece seu público e elaborou a apresentação de acordo com este conhecimento. O iPhone está sendo apresentado para fãs de tecnologia e da Apple, não para skatistas ou cozinheiros. O que será falado irá empolgar o público escolhido, e isso é muito importante. Trazendo isso para o dia-a-dia, a postura e o conteúdo de uma apresentação de trabalho universitário para a classe são muito diferentes daqueles de uma apresentação de produto a um investidor.

O último tópico a ser discutido é a prática. Você conhece seu público, criou slides ótimos, elaborou uma estrutura narrativa para contar sua história, pensou nos beats da apresentação, criou seu STAR moment. De nada vale tudo isso se você não souber qual slide vem antes de qual e começar a se embananar na frente de todo mundo. Ensaiar é essencial, e se possível até testar a apresentação com algumas pessoas. Talvez uma piada não funcione como você espera ou uma informação importante não tenha recebido o devido destaque.

Agora que você conheceu algumas ferramentas e referências, procure por palestras e apresentações das quais gosta, repare na aula envolvente do seu professor favorito. Quais dos elementos descritos eles usam? Quais poderiam usar? Como sua próxima apresentação será impactada por tudo isso? Fazer boas apresentações é uma habilidade que precisa de prática e tempo para ser desenvolvida. Teste, desenvolva, veja o que funciona com cada público, e quando for importante terá ótimas ferramentas para expressar suas ideias de forma clara e para um público atento.

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