Definição do problema, o elo que falta no dia a dia dos designers

Panagiotis Kovanis
Magalu Design
8 min readJun 2, 2021

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Faz algum tempo que o uso da metodologia de design thinking começou a estabelecer os designers como uma posição central na estrutura das organizações. Isso porque lhes deu a habilidade de resolver problemas que vão além da área estética e de comunicação.

Sua natureza centrada no ser humano está ajudando as organizações a criarem produtos relevantes para os clientes, a prototipagem e os testes estão economizando muito dinheiro no desenvolvimento e o UX está reduzindo os atritos, tornando os produtos mais competitivos.

Portanto, o design é uma forma sólida de resolver problemas e uma ótima ferramenta para a prosperidade das organizações.

"As empresas com melhor desempenho em design quase dobram o retorno para seus acionistas em relação a seus concorrentes." McKinsey Report 2018

Enquanto a maioria das organizações está fazendo um grande esforço para incorporar o design de maneira certa, ainda estão perdendo grande parte de seu potencial. Há dois motivos importantes para isso, entre outros, que gostaria de focar:

  1. A Resolução de Problemas é vista pelas organizações como um ato de entregar o problema ao designer para resolvê-lo. Perde-se, assim, o grande potencial que as metodologias de design têm em investigar os desafios enfrentados pelas organizações e, em seguida, ajudar a definir o problema certo a ser resolvido.
  2. Os designers construíram ao longo dos anos uma atitude reativa aos problemas. Receber um problema definido na forma de um briefing tem sido a norma. Isso é uma grande desvantagem, pois há muitas outras disciplinas, especialmente em grandes organizações, que têm a visibilidade estratégica e a autoridade para investigar e definir os problemas.

1. A Resolução de Problemas está se tornando um problema

Resolução de Problemas é apenas uma parte do processo de design. A outra parte é definir o problema. O Double Diamond (Diamante Duplo) é bem conhecido entre os designers e exige que primeiro o problema seja definido e depois resolvido, para não se dar uma ótima solução ao problema errado.

Double Diamond (Design Council)

Porém os designers estão sofrendo para aplicar o primeiro diamante (definição do problema). Isso porque o trabalho deles geralmente começa recebendo um problema predefinido na forma de um briefing, enquanto outras equipes com funções gerenciais já chegaram a um acordo com outras equipes envolvidas no projeto sobre recursos de desenvolvimento e datas de lançamento.

A abordagem de Resolução de Problemas

Esta abordagem compromete o primeiro diamante (definição do problema), pois o designer é deixado de fora do processo de avaliação do desafio e definição do problema. Mesmo uma possível redefinição do problema geralmente está fora da questão, pois provavelmente causaria atrasos e precisaria de novos recursos.

Design é aplicar métodos centrados ao ser humano, utilizar workshops e entrevistas para aproveitar a inteligência coletiva das organizações e de seus clientes, iterar validando e repensando ideias e soluções e tudo isso com agilidade e baixo custo; evitando preconceitos pessoais ou negligência sobre os benefícios dos clientes. Isso é o que torna o design ideal para a etapa de definição do problema.

O segundo diamante (solução de problemas) também sofre com esse processo. Como a solução deve se encaixar em um plano predeterminado em vez de construir o plano com base na solução certa, isso geralmente acaba no gasto de recursos para o desenvolvimento de uma experiência ruim para o cliente.

As organizações precisam começar a usar o design desde o início do processo, para que haja espaço suficiente para os designers aplicarem suas metodologias de maneira adequada. Também é de igual importância que eles deem mais autoridade de decisão a seus designers. Na estrutura organizacional, as disciplinas muitas vezes se sobrepõem às responsabilidades. Os designers estão lidando com problemas que se sobrepõem a marketing, desenvolvimento, negócios etc. Portanto, se os designers deveriam ter uma voz sobre em qual problema aplicar recursos para resolvê-lo, eles precisarão de certa autoridade. Certamente mais do que têm agora.

2. A atitude reativa está atrapalhando a atuação dos designers

Cadeia de definição e resolução de problemas

Nas organizações existem disciplinas mais estabelecidas, trabalhando com clientes, sistemas ou vendas que estão constantemente fazendo pesquisas, identificando problemas e oportunidades. Normalmente são eles que têm que relatar números e seu trabalho é diretamente afetado pelos problemas no campo de trabalho. São eles que têm a mentalidade proativa de relatar, investigar, definir e buscar recursos para solucionar problemas. É uma atitude proativa que gera e distribui tarefas.

Os designers, por outro lado, costumam ficar isolados da realidade cotidiana do negócio. Eles não são responsáveis por falhas de sistemas, vendas baixas ou clientes reclamando. Sua atitude é reativa e eles recebem tarefas.

Os designers estão acostumados a serem reativos às demandas, a receber briefings com um problema e muitas vezes com uma solução. Em seguida, trabalhar em problemas estéticos e de comunicação. Mas agora o design está virando um papel central para as organizações e os designers precisam se adaptar e se tornar uma disciplina proativa.

Ser proativo através da pesquisa contínua

Uma maneira de fazer isso é tomar a iniciativa e iniciar uma pesquisa contínua. Mergulhar no serviço, investigar os produtos relacionados, conhecer os números, criar canais de comunicação com stakeholders e clientes — e repetir.

Visita em loja

Nossa equipe de design no Luizalabs* testou essa abordagem enquanto trabalhava nas lojas do Magazine Luiza antes da pandemia por um período de 6 meses com ótimos resultados.

*Luizalabs é o laboratório de tecnologia e inovação do Magalu.

Imersão no serviço

Iniciamos nosso trabalho com uma pesquisa contínua sem relação com nenhuma demanda específica. Nosso foco era a operação das lojas como serviço. Nosso primeiro passo foi coletar todas as informações disponíveis na empresa, mapear os aplicativos e a jornada dos clientes e da equipe.

Visitas semanais nas lojas

Começamos a visitar as lojas quase todas as semanas. Mesmo durante viagens, se houvesse uma loja na cidade, íamos visitá-la para bater um papo com a equipe.

Conversamos com todos, com vendedores, o pessoal de estoque, o pessoal de suporte, o caixa e o pessoal da promoção. Almoçamos com eles e ajudamos em dias como a Black Friday.

Observamos clientes passeando, comprando a tão necessária geladeira, felizes ou frustrados, entrando em um táxi enquanto seguravam uma grande TV. Os paramos para um bate-papo, uma entrevista ou uma selfie.

Na linha de frente dos desafios

A pesquisa contínua estava nos ajudando de muitas maneiras, mas a mais importante era para sermos proativos. Pudemos identificar e acumular os desafios que as lojas e seus sistemas estavam enfrentando.

A pesquisa contínua abriu a porta para que entrássemos mais cedo no processo e nos juntássemos com as outras disciplinas na linha de frente para explorar os desafios e enquadrar os problemas que a empresa precisava resolver. Um grande passo para a aplicação do primeiro diamante (definição do problema).

Criar oportunidades

A pesquisa contínua não é suficiente. É igualmente importante criar as oportunidades certas para trabalhar em soluções e sua implementação.

Implementação é o desafio mais pesado

Um problema comum com as organizações é que elas têm agendas de desenvolvimento muito ocupadas, o que torna muito difícil interferir. A resposta da nossa equipe foi aproveitar as demandas comuns, porque quando o designer recebe uma demanda, significa que há espaço para desenvolvimento.

Tendo os problemas no nosso backlog por causa da pesquisa contínua, pudemos identificar aqueles que estavam relacionados com a demanda. Isso pode ser uma pequena correção de experiência até um redesenho ou uma nova funcionalidade. Então, negociaremos com a equipe de desenvolvimento e o P.O. para ver o que poderíamos conseguir desenvolver sem prejudicar o projeto. Chegaríamos a um acordo após alguns compromissos e, em seguida, encaixaríamos tudo em um único projeto.

Luizalabs Franca

A pesquisa contínua gera oportunidades

Por exemplo, em algum momento recebemos uma demanda para adicionar uma funcionalidade no aplicativo Mobile Vendas, o aplicativo que os vendedores utilizam para atender os clientes nas lojas. O aplicativo pode cuidar, na maioria dos casos, de todo o processo de venda.

Parte da demanda era adicionar um link na tela inicial para uma nova funcionalidade. A tela inicial é o começo de todas as interações com o cliente. Seu desempenho atinge diversos indicadores de quão bem e rápido é atendido o cliente. Com o passar dos anos, as necessidades das lojas mudaram enquanto a tela inicial ficou a mesma. O resultado era não conseguir disponibilizar as funcionalidades e as informações necessárias para o dia a dia atual dos vendedores e dos clientes.

No momento, nossa pesquisa contínua já havia identificado esses desafios e estávamos trabalhando na definição e priorização dos problemas.

Levar a oportunidade e negociar

Pegamos a oportunidade e usamos os resultados de nossas pesquisas para convencer as demais equipes da importância do assunto. Elas abraçaram a iniciativa e apontaram os limites em recursos e tempo.

Neste momento, só teríamos que prototipar e testar soluções. Com certeza teríamos em mente as limitações apontadas pelo time técnico, mas também conseguiríamos negociar alguns pontos muito importantes pela experiência mais robusta.

Conclusão

Para desfrutarem dos benefícios do design, as organizações precisam entender que ele vai muito além da Resolução de Problemas. O design precisa começar mais cedo no processo e obter a autoridade para poder aplicar suas metodologias e especificamente colaborar na definição do problema.

Por outro lado os designers conseguindo esse novo papel precisam se adaptar e conseguir novas habilidades como a de serem proativos. Entrar na linha de frente do serviço para conseguirem ter a visibilidade própria dos desafios da organização e tomar as iniciativas de definir e resolver problemas; sem precisar receber um briefing.

A pesquisa contínua é uma ferramenta para trazer os designers mais perto dos desafios da organização de maneira consistente.

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