por aqui acabou a quarentena e começou a era da bolha social

Pablo Magalhães (Magapo)
Magapo
Published in
3 min readMay 25, 2020

porto, 25 de maio de 2020 (segunda-feira) 08h22

se antes eu já me preocupava com as tantas vezes que saía de casa e me esquecia de levar as chaves, no novo mundo preciso me lembrar também de usar máscara. como se eu já não tivesse coisa suficiente para me esquecer, agora tenho mais um item pra me estressar. estamos ainda em portugal e esse final de semana foi o primeiro da vida nova.

sol, calor, bar aberto, 30 graus, pessoas bebendo cerveja na grama, mas cuidado na hora de entrar no ônibus: a máscara tá na mão? bota no rosto. nele todo, não é só pra tampar a papa ou deixar o nariz do lado de fora.

nesse mundo pós-apocalíptico há mais esporro do que eu imaginava. vi motorista de ônibus sendo mais incisivo à um passageiro que entrou sem máscara do que provavelmente teria sido se ele entrasse sem pagar.

sentar na parte externa do lado de fora do bar sem máscara já pode, mas se quiser ficar do lado de dentro, tem que botar ela e só tirar na hora de comer. tipo quando eu era criança e usava fantasia de carnaval o tempo todo, minha mãe dizendo para que na hora da comida eu tirasse pelo menos a máscara.

é tanta regra nova que eu ainda não decorei. ainda mais eu, o cara com problemas de lembrar das coisas. tenho ao menos lembrado de andar com a máscara no bolso, ainda que eu só esteja dando uma volta pelo bairro sem intenção de entrar em lugar algum. na verdade eu não me lembro sempre de botar a máscara no bolso, o macete é deixar ela lá direto. lugar de máscara é no bolso da bermuda.

nesse primeiro final de semana tive um frio na barriga andando pela cidade da mesma forma que eu sentia quando era mais novo e ia para uma nova escola. “quais são as regras daqui? o que é engraçado de fazer piada e o que pode ser ofensivo? como faço pra cumprimentar alguém?”. cresci, tenho barba, mas continuo tendo frio na barriga.

chegamos na praia e numa súbita reação ao sentir pela primeira vez a água gelada na minha pele em meses, comemorei e fui registrado no flagra pela barbs:

o exato momento onde pude comemorar o fim da quarentena

é assim, sem manual de explicação, que a vida continua. podem chamar esse novo normal como quiser, mas penso que essa nova rotina deveria se chamar “a era da bolha social”, já que dificilmente conheceremos novas pessoas ou frequentaremos ambientes fechados em um curto espaço de tempo.

teremos liberdade para circular, mas não sem cumprir algumas regras básicas. tudo para, no final das contas, te manter em uma bolha de confiança: pano na cara, álcool no bolso, água com sabão nas mãos, unhas longe dos dentes e cumprimentos de cotovelo.

abraçar alguém? vamos precisar de um grau de intimidade e confiança muito grande pra isso. vamos com calma, sem expectativa por enquanto.

cada um na sua bolha.

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