CONTO | O Prédio — Mais Horror.

Parte 1: Sensações sombrias a beira da cama.

Ana Batista
Mais Horror
4 min readFeb 1, 2021

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Passava das 2:00 h da madrugada, uma hora fria como uma lápide e eu deveria estar dormindo como todo e qualquer cidadão que se considera honrado nessa maldita cidade porém algo um pouco mais sombrio se estabelecia pelo chão e pelas paredes naquele momento, mesmo que fechasse os olhos era possível vê-los em todos os lados.

Estavam mais perto agora.

Há 5 anos havia me mudado para um pequeno apartamento na zona urbana algo barato e simples no qual uma escritora barata e simples pudesse viver, aqui e ali levantavam se mofos e fungos que formavam suas galerias de arte esverdeada pela parede, uma infiltração escorria pelos azulejos do banheiro ela havia se tornado quase uma companhia inumana, algo que habitava comigo aquele ambiente estéril.

Escrever é suicídio e em meio ao caos moderno, aquele apartamento era um santuário do silêncio e do pútrido “Podia eu querer lugar melhor? Não se pode escrever sobre a morte num parque de diversões, correto?” Agora diante da atual situação um riso nervoso irritava minha garganta e meu corpo parecia inquieto.

Levantei a grande custo os músculos ainda correspondiam, pendi para a frente como se algo pesasse em meus seios e de relance tentasse me levar ao chão. As tábuas de madeira do assoalho castigadas por muitos e muitos anos do que quer que se emaranhasse na alma daquele antigo edifício rangeram como cães enquanto eu arrastava meus pés pesadamente. “Arre! Faz um frio do diabo nesse lugar!" joguei a velha jaqueta de couro sobre os ombros, apanhei alguns cigarros que jaziam como vermes sobre a escrivaninha e parti porta afora. Os lances de escada que desciam até o saguão e por fim a portaria que dava para a rua eram cinzas com pequenos pontos azuis, o azul que ali já aparentava estar doentio fora um dia pequenos pontos de alegria através dos infindáveis corrimões, avancei e levei as mão desnudas de luvas ao encontro do metal e um súbito arrepio caminhou pelo meu corpo eriçando pequenos pelos e senti que o quer que habitasse meu apartamento também estava presente pelo prédio todo. Desci os degraus dois a dois almejando chegar o mais depressa possível a portaria, assim que atingi o penúltimo lance de escadas quando uma presença quase material pareceu atravessar por mim, como se universos que não deviam coexistir na mesma frequência se chocassem, uma quebra de qualquer paradigma que faz até o mais cético dos homens fazer o sinal da cruz em seu peito.

Mas eu nunca fui um desses homens.

Segui então até que minha mão tocou a maçaneta enferrujada do velho prédio ao lado da qual um porteiro de aparência milenar dormia e roncava escandalosamente. Pobre homem, pensei comigo mesma enquanto o deixava para trás, nem as sombras e sussurros da madrugada podem afetar o sono desse homem cansado era nobre e triste vê-lo assim.

Logo que ganhei as ruas uma lufada de ar congelante me alcançou fazendo imediatamente com que me arrependesse das mãos sem luvas e do casaco velho, agora porém era inútil não havia motivação para subir novamente quatro lances de escadas apenas para munir me de trajes mais adequados, sendo assim apertei mais o couro corroído e volta do corpo e disparei em frente.

Sempre vai existir sonhadores que lhe dirão que a madrugada sobre os prédios e ruas é linda e pura, mas basta que veja com um pouco mais de atenção do que estes desvairados para notar que a noite não passa de um cão sarnento, carente e covarde. Esgueirei me pelos primeiros becos havia a quase três quarteirões um pub de moral indecente mas que a essa altura da madrugada era possivelmente o comércio mais próximo aberto, caminhava rápida e certeira pois a cidade não era um lugar agradável para uma moça ainda mais para uma metida a escritora e sozinha. Conforme avançava o frio ia se dissipando e os pensamentos antes focados em chegar depressa passaram agora a vagar soltos pela minha mente“ — Uma garrafa de uísque e resolverei isso, finalmente vou dormir sem mais”. Dormir em paz era o bilhete premiado que eu tanto buscava e a única certeza daquela noite é que ele estava no fundo de uma garrafa amadeirada de licor.

Finalmente depois dos terríveis três quarteirões escuros e frios, erguia se vacilante uma placa amarelada onde se podia ler: A ÚLTIMA HISTÓRIA, em letras vermelhas garrafais sob um toldo enferrujada, o estabelecimento carecia de iluminação, a aparência precária era um convite a dar meia volta e desistir, adentrei então…

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