O aprendizado e o desequilíbrio

Felipe M. Brandalise
Makers.Co
Published in
7 min readMay 27, 2018

Você e seu time time estão participando de um processo criativo para um novo produto. Os primeiros dias foram fantásticos, recheados de descobertas e novas opções. Lá pelo final da semana, a situação começa a mudar de figura. A parede está cheia de post-its, o tempo está terminando e logo o cliente vai fazer a tão esperada ligação aguardando por uma solução genial para o seu problema. O time tem lágrimas nos seus olhos e está sofrendo.

Mais uma visão de DT.

No design, esta fase é chamada de síntese. É onde todos devem alterar seu mindset de uma criança recém nascida descobrindo o mundo para algo concreto e que solucione problemas práticos. É a fase onde as coisas se tornam mais nebulosas e a pressão por novos significados para o conhecimento se torna mais opressor.

E é nesse momento de maior pressão, de total desconhecimento do futuro e de maior incerteza é que a mágica acontece. E a mágica tem um nome: construtivismo.

Dica 1: Para quem tiver um tempinho livre, recomendo assistir ao primeiro episódio do documentário Abstract — The Art of Design no Netflix que retrata o sofrimento passado por profissionais criativos durante seu processo produtivo.

Construtivismo nos ensina a aprender

Construtivismo é uma teoria de aprendizado proposta por Jean Piaget por volta de 1950 através da observação de crianças.

Ele concluiu que ao contrário da crença popular, o conhecimento não existe no mundo e você não o adquire. O conhecimento existe nas nossas mentes através da nossa própria construção.

Na realidade ninguém te ensina nada. Ao invés disso, Piaget afirma que somos aprendizes naturais e que estamos constantemente processando o mundo para criar o nosso próprio entendimento.

A maneira mais fácil de entender a teoria de Piaget é considerar a maneira como crianças aprendem a falar. Imagine que você está dirigindo pelo interior vê uma vaca. Você aponta e diz “Vaca”. Quando a criança enxerga isso, ela forma uma imagem na sua cabeça, algo como “Certo, uma vaca é grande, tem quatro patas e é branca e preta”. Um pouco depois, você aponta para outra vaca, desta vez pequena e marrom. O que acontece na cabeça da criança? Algo do tipo “Estranho! Aquilo não combina com meu entendimento de vaca. Achei que vaca era algo maior e branca e preta.”

Nesse momento a criança tem duas opções: ela pode ignorar o fato mantendo seu modelo mental ou ela pode reconsiderar seu entendimento do que é uma vaca. Talvez vacas possam ser marrons. Talvez vacas possam ser grandes e pequenas. E finalmente Piaget marca a história com a palavra perfeita que descreve essa situação: desequilíbrio.

O desequilíbrio acontece quando você começa e enxergar coisas no mundo que não fazem mais sentido para você. O que você considerava correto, que te auxiliava a manter sua vida e suas decisões estáveis e guiadas, começa a ser questionado. E testado de questionamento não é fácil, ele incomoda, ele machuca. Sabe porquê? Porque nós imploramos pela equilíbrio.

Tente lembrar de momentos onde você foi colocado nessa situação. Você precisa escrever um artigo sobre um assunto com pouco domínio. Uma novidade no modo de trabalho da sua empresa. Uma nova profissão. Uma novidade na sua rotina familiar. Todos são momentos de desequilíbrio extremamente desconfortáveis de se estar. Mesmo assim, você não desiste, sabe porquê? Porque não gostamos de estar nesse estado de confusão.

Piaget afirma que está pré definido na nossa essência a busca por novos padrões para acomodar a informação que consumimos do mundo.

Dica 2: Assista ao vídeo abaixo relacionado a testes sobre teoria da conservação, também criada por Jean Piaget ;)

Aprendizado e o processo criativo

Para voltarmos ao calmo e confortável estado de “eu sei o que é isso” você precisa daquele momento “A-HÁ” que vai reconstruir a informação antiga por uma nova. Ou seja, um modelo mental que pela sua força da imaginação e inteligência irá conectar todos os pontos sem sentido em um novo significado.

Aprender não se trata de consumir novas informações. Se trata de utilizar nossas habilidades natas para criar ou construir novos significados para o mundo. Aprender, pela sua própria natureza, é uma atividade criativa.

Nosso processo de aprendizado está bastante alinhado com processos criativos. Métodos de design de produtos e serviços como por exemplo buscar inspiração de diversas fontes, conhecer pessoas totalmente diferentes, buscar empatia de experiências diversas, têm como objetivo chacoalhar seu entendimento de um problema e te colocar rapidamente no estado de desequilíbrio. Estes processos te ajudam a buscar informações totalmente novas ao invés de insights que reafirmem o que você já sabe.

Nós imploramos pelo equilíbrio. E quando nosso mundo é chacoalhado por novos pontos de vista, a única maneira de termos paz de pensamento é dar novos significados ao que conhecemos. O nome desta ação é aprender.

Aprendendo a amar o desequilibrio

Enquanto é óbvio que uma criança naturalmente refine seu entendimento do mundo, é igualmente óbvio que ignoramos o fato que passamos pelo mesmo processo enquanto adultos. Porém sabemos que fica cada vez mais difícil. Os modelos mentais vão se tornando fixos nas nossas cabeças, baseados em casos de sucesso passado que provavelmente não irão se repetir diante da mudança exponencial do trabalho e da sociedade. Expressões como “antigamente era melhor” ou “isto não serve para mim” tem o mesmo significado da criança que ignora que vaca pode ser um animal marrom ou preto e branco. Além disso, não se trata apenas do simples entendimento da palavra vaca. Se trata de desenhar novas ofertas, experiências, produtos e organizações, algo muito mais complexo.

Nos colocar no estado vulnerável do desequilíbrio se torna mais arriscado com o passar do tempo, especialmente se estamos em altas posições de liderança.

Para criar novos modelos mentais é necessário um alto investimento cognitivo. Porém temos dificuldade imensa de fazer isso em função das nossas caixas de email lotadas e dos gigantescos feeds de notícia que nos sentimos obrigados a ler. Como posso criar espaço próprio para me colocar no estado de desequilíbrio? Como posso controlar as ambições para não ser distuptivo em muitas coisas ao mesmo tempo?

Mood meter da IDEO

A IDEO criou uma ilustração (mood meter) que representa a sensação de desequilíbrio. Você pode utilizá-la para dar conhecimento a indivíduos sobre as ansiedades que podem surgir diante de tarefas criativas e de resolução de problemas. Perceba o ponto de desequilíbrio representado como um grande vale sem futuro (fui dramático, eu sei).

Recado 1: Antes de tudo, admita que você está em estado de desequilíbrio e de consciência aos outros sobre isso. Por vezes diante do desconhecido nos vemos envoltos por ansiedade e nervosismo, influenciando de forma incorreta e desnecessária todos na nossa volta. Esse pode ser um sinal do desequilíbrio e o simples fato de você reconhecer que está passando ou irá passar por um processo de aprendizado vai diminuir seu estresse.

O seu papel como ensinador construtivista

Uma vez consciente desta realidade, nós devemos dar permissão para as pessoas sofrerem. Sim, sofrer. Você deve deixar explícito que inovação e criatividade dão trabalho, que as pessoas irão entrar em estado de desequilíbrio, que irão encontrar ruas sem saída e que tudo isso têm enorme valor.

De forma rotineira buscamos inovação nas organizações. Em paralelo, líderes pressionam suas equipes para alcançar grandes soluções em pequenos espaços de tempo. Se o resultado não for alcançado, o discurso é de que todo o tempo investido foi desperdiçado. Veja bem, estas atividade matam a criatividade.

Pior que isso, o time provavelmente trará uma solução para o problema, extremamente superficial, travestida de inovação, o que a médio prazo passará a mensagem para a organização de que inovação é algo que não se aplica naquele ambiente já que a solução apresentada não foi tão diferente do que já existia.

Recado 2: A liderança têm a obrigação de dar espaço para inovação e criatividade. Ambas características não surgem através de sangue e suor ou de um insight brilhante em um dia ensolarado. Eles são consequência de espaço, trabalho e planejamento.

Dica 3: Segundo Beth Hennessey, as seis principais atitudes que matam a criatividade são a promessa de uma recompensa pela tarefa, a expectativa de uma avaliação formal após a tarefa, limitar a quantidade de opções para resolver um problema, limitar o tempo para resolver um problema, microgerenciamento e competição (segundo Beth, a principal atitude destruidora).

Beth Hennessey no TEDx, professora de psicologia

Existe a crença de que profissionais criativos estão sempre confiantes e são extremamente otimistas. A mesma crença vale para a criatividade e a inovação como um todo. Através de pesquisa e da prática, percebemos que essa não é uma verdade. Criatividade não tem relação com diversão. Na realidade, os maiores avanços acontecem nos momentos mais sombrios, de confusão, autoquestionamento e busca existencial. Diante do estado de desequilíbrio profundo e da nova versão de entendimento do mundo é que emerge a criatividade. Criatividade é igual a aprendizado e ambas não são tarefas fáceis, por isso prepare-se e antes de tudo crie autoconsciência que será uma longa jornada.

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Agile enthusiast, Head of Product & Engineerin @ Agriness and fan of the digital culture. I'm into a lot of stuff - gotta embrace life!