“Quando jogo futebol, estou segura.”

Nas favelas mais violentas do Brasil, algumas meninas encontram consolo no futebol — e entre si.

Bhumika Regmi
Malala Fund - archive
5 min readFeb 12, 2018

--

Complexo da Pehna (Foto: Sabine van Wechem)

Ouvir disparos de armas de fogo é algo comum no Complexo da Penha. Mas uma vez por semana, os moradores dessa favela brasileira também ouvem bolas de futebol batendo nas traves e garotas se divertindo.

Rebeca, Dryka e Jéssica são três atletas que encontram consolo no campo de futebol em um dos bairros mais violentos do Rio. É um lugar para que as meninas brinquem juntas — e também é o único lugar onde elas estão seguras fora de casa.

A Street Child United construiu o campo para dar às meninas um espaço para jogar sem medo. A organização convenceu os moradores locais, a polícia e até mesmo os membros das gangues a declarar o campo de futebol fora dos limites das armas e da violência que flagelam o resto da favela.

(Foto: Sabine van Wechem)

Quase um quarto da população do Rio de Janeiro vive em favelas — comunidades urbanas de baixa renda no Brasil. A superpopulação, a pobreza e a violência muitas vezes forçam as meninas a abandonar a escola nessas comunidades. “Eu adoro a escola. Tenho ótimas amigas lá. Mas é difícil frequentar quando há tiroteios”, explica Rebeca, 16 anos. A polícia está em constante conflito com gangues de drogas fortemente armadas em seu bairro. Em média, um morador do Rio é atingido por uma bala perdida a cada sete horas.

Rebeca, 16

(Foto: Sabine van Wechem)

Rebeca chutou uma bola de futebol pela primeira vez aos 11 anos. Agora ela sonha em jogar profissionalmente um dia.

Vídeo: Favela Street Story

“O futebol me fez acreditar que qualquer coisa é possível”, afirma ela. “É o meu porto seguro longe das drogas. Eu costumava ter muitos amigos que estavam envolvidos com traficantes e que usavam drogas. Eu não sabia como lidar com isso porque queria algo diferente.”

(Foto: Sabine van Wechem)

A família de Rebeca a apoia para jogar futebol agora, mas nem sempre foi assim. “Futebol é coisa de homem”, lembra-se deles dizerem. Apesar da desaprovação, Rebeca entrou para um time. E não demorou muito para convencê-los de que ela é uma “guerreira” e que tem “as mesmas capacidades” que os meninos.

Embora sonhe com uma carreira no futebol, Rebeca reconhece a importância da educação: “Precisamos de estudo para construir nossas vidas.” Mas muitos de seus colegas deixaram de ir à escola por causa dos perigos de chegar até lá — e Rebeca nem sempre tem certeza de que quer correr o risco.

Jessica, 26

(Foto: Sabine van Wechem)

Quando jovem, Jessica se envolveu com traficantes e começou a fazer contrabando na fronteira paraguaia. “Eu não gostava, mas pagava as contas”, explica ela. “Eu sentia que não tinha escolha.”

Jessica diz que sua vida mudou completamente quando conheceu a Favela Street Foundation, uma organização que ensina jovens a se tornarem treinadores de futebol independentes em seus bairros. A organização ajudou Jessica a deixar o tráfico e a descobrir sua ambição de jogar futebol: “Agora sou treinadora… e amo isso. As pessoas me tratam com mais respeito, e agora sou um exemplo para os outros. Posso dizer que sou um modelo a ser seguido.”

Vídeo: Favela Street Story

Mas Jéssica teme que, se as gangues e a polícia continuarem em conflito, ela terá que parar de jogar de novo.

“Eu quero continuar com meus estudos para ter mais chances de conseguir um trabalho melhor e um futuro melhor”, afirma ela. Jéssica é uma das poucas meninas da comunidade que concluíram a escola. Ela espera entrar em uma universidade.

(Foto: Sabine van Wechem)

Jéssica está frustrada pelo que vê ao seu redor: “É muito difícil para meninas ou meninos frequentarem a escola aqui. A economia no Brasil está indo mal, não há dinheiro para os professores e as escolas estão decadentes. O nível de educação é muito baixo, especialmente nas favelas. Isso precisa mudar!”

Ela encontra felicidade no futebol e nas crianças que ela ensina. É por isso que ela espera que outras meninas que querem jogar futebol “nunca desistam dos [seus] sonhos”.

Dryka, 21

(Foto: Sabine van Wechem)

Dryka é uma entre 10 irmãos. Ela cresceu sem eletricidade, sem TV e sem fogão: “Quando criança, eu não tinha muitos brinquedos. Só tinha uma bola. Foi aí que comecei a jogar futebol.”

Dryka tutora Rebeca e outras meninas em sua comunidade agora (Foto: Sabine van Wechem)

Hoje, Dryka é capitã de seu time de futebol da Favela Street. Ela também trabalha com o Street Child United Brasil e ajuda meninas que enfrentam os mesmos desafios que ela enfrentou. Com seu trabalho, Dryka incentiva crianças nas favelas a praticar esportes e a continuar os estudos.

Dryka concluiu o ensino médio e quer entrar em uma universidade. Ela quer se tornar técnica de futebol um dia.

Rebeca, Jéssica e Dryka não sabem o que o futuro espera, mas sabem que, uma vez por semana, podem contar com o apoio mútuo no campo de futebol.

--

--

Bhumika Regmi
Malala Fund - archive

Passionate about women and girls’ empowerment and International Affairs