Até que ponto o preconceito é velado na casa mais vigiada do Brasil?

Ariel Freitas
Mandume
Published in
6 min readApr 25, 2020

Uma pequena análise da transformação de discurso e comportamento do público quando o assunto envolve questões raciais

Na reta final da vigésima edição do programa que acompanha os lares brasileiros há 18 anos, o Big Brother Brasil reuniu 20 integrantes na casa mais vigiada da Televisão Rede Globo (plim, plim). Desse total, apenas três são pessoas negras ou pardas, representando 15% do total de participantes — ou pelo menos é o que me indica a regra básica de três, né? (hehe).

Nesse grupo de pessoas consideradas com traços afrodescendentes estão os Brothers Babu, Flayslane e Thelma. Além destas características citadas, eles também compartilharam de sentimentos, episódios e julgamentos de quem não deixa de assistir um só episódio do programa mais visto do Globo Play no último ano: o preconceito sofisticado aplicado nas redes sociais. Nesse pequeno exercício de análise do autor (eu mesmo, pô!), o objeto de estudo fica apenas na sexta rede social mais utilizada no Brasil, o Twitter.

Antes de tudo é importante a compreensão de todos que esta discussão é movida por um dos significados da palavra preconceito. Aqui, o texto é baseado na vertente que explica o sentimento de hostilidade e pressa do público do Twitter na realização de um julgamento a partir de ideias que já estão enraizadas na estrutura de uma sociedade que viabiliza um cotidiano racista, ou seja, declarações agressivas que visam a destruição da dignidade humana dos participantes negros.

Com esses tópicos como norte na criação textual é levado em consideração os assuntos mais comentados nas hashtags da plataforma digital, como o posicionamento, o não posicionamento, a veracidade do discurso do participante e, por último, o mais recente: as expressões faciais. Analisados a partir da ótica de construção de um personagem, formação discursiva, crítica implícita ou explícita e respostas assertivas.

E, claro, o conceito de Reality Show ou a linha de raciocínio de que “é apenas um jogo” também está sendo considerado nesse artigo, mas no sentido de disfarçar ou validar a implicância, intolerância e discriminação já que com essa estratégia de “jogo” vale tudo — até a infração e compartilhamento de crimes de ódio.

Vamos lá? Segue a Thread… (rs)

Vitimista

Levando em consideração que a semente do raciocínio neoliberal floresce cada vez mais no subconsciente de cada um, a escolha da primeira palavra para análise não poderia ser outra. Em seu significado, a definição do termo explica que a vida de determinada pessoa só não avança por causa do vitimismo, pessimismo ou falta de vontade dela.

A presença dela no vocabulário e nos tweets dos usuários do Twitter induz que os participantes negros não construíram uma estabilidade financeira mais sólida por erros próprios.

Essa sentença que, em sua maioria, é reproduzida por perfis etnicamente brancos ou pelo menos com fotos de pessoas caucasianas ignora toda a estrutura de desigualdade racial que é promovida diretamente pelo péssimo desempenho do sistema capitalismo. Ao jogar a palavra vitimista e BBB no espaço de pesquisa do Twitter, o nome mais conectado com ela é do brother Babu.

Print de um usuário do Twitter colocando em prova a veracidade do discurso do Babu e, também, da legitimidade do mesmo na última prova do Líder do BBB 20. (Reprodução / Twitter)

Com 850 mil seguidores no seu perfil oficial (no momento), Alexandre Santana tem a sua imagem relacionada frequentemente com esse tipo discurso. Na maioria das vezes, a formação carrega uma crítica implícita e supõem que o Brother não possui autenticidade na fala, nos posicionamentos e bandeiras que levanta (questões raciais, periféricas, masculinidades e etc).

Print de um usuário do Twitter colocando em prova a veracidade do discurso do Babu e, também, questionando a opção do Brother em investir no futuro da família. (Reprodução/ Twitter)

Atualmente, Babu enfrenta o décimo paredão dos dezessete que ocorreram no Big Brother Brasil. Além desse recorde pessoal, ele acumula outro de ser o integrante mais votos na história do reality show com 42 votos.

Falsidade

Seguindo a linha de raciocínio das palavras-chaves encontradas no espaço de pesquisa do Twitter e nas hashtags da plataforma, a segunda escolhida para a breve discussão também envolve o debate de autenticidade no discurso, na forma de apresentação para o público e no convívio dentro da casa.

Aqui e também no tópico anterior, é importante ressaltar que a estratégia de “jogo” não é validada para participantes negros. Não pelo autor do texto (super estranho me mencionar assim), mas sim, por quem acompanha o programa, avalia e auxilia na construção do personagem: o público.

Print de um usuário do Twitter questionando as amizades da Thelma dentro do jogo. (Reprodução Twitter)

Além disso, a palavra falsidade e suas variações é relacionada frequentemente a participante Thelma, que possui 525 mil seguidores no Twitter (no momento).

Print de um usuário questionando a autenticidade da Thelma (Reprodução / Twitter)

Como no tópico anterior, essa forma de julgamento e sentenciamento de alguém também é feita por perfis etnicamente brancos ou pelo menos com fotos de pessoas caucasianas. No dicionário, a palavra falsidade significa “o que é falso ou enganoso; mentira ou calúnia”.

Essa categoria é extremamente interessante e essencial para entender os debates sobre as questões raciais que são levantadas no Twitter. Ao jogar a palavra falsidade, falsa ou seus sinônimos junto com o nome de algum (a) integrante branco do Big Brother Brasil, a pesquisa não mostra a mesma classe de perfis (etnicamente brancos ou com fotos de pessoas caucasianas) discutindo a respeito do tema. Porém, normalmente você encontra a palavra “estratégia” nesse jogo de palavras.

Print de um usuário do Twitter questionando a autenticidade das emoções da Thelma (Reprodução/Twitter)

As expressões faciais

Por último mas não menos importante e talvez a mais perigosa dentro dessa análise: o julgamento das expressões faciais de um participante negro a partir de conceitos racistas e enraizados do público. Durante essa vigésima edição do Big Brother Brasil, um dos pontos mais discutidos envolve a agressividade, passividade, monstruosidade e outros adjetivos que abrangem a personalidade dos participantes aqui citados.

Nessa formação discursiva e sem nenhum contato profissional com a área, os usuários sentenciam os aspectos faciais de uma pessoa negra e o tom de voz utilizado pela mesma para compartilhar em massa o sentimento de negatividade que ela passa.

Print de um usuário no Twitter julgando as expressões faciais do Babu na apresentação da Dua Lipa. (Reprodução / Twitter)

Você sabe, eu sei e todos sabem os impactos dessa linha de raciocínio preconceituoso no Brasil. É na companhia dela que os pretos descobrem que possuem afeições de um suspeito de crime, antes mesmo de saber o significado da palavra ladrão.

Print de usuário questionando a integridade da última prova do BBB 20 a partir das expressões e sentimentos do Babu no dia. (Reprodução / Twitter)

Além desses pontos levantados, você não encontra no twitter o mesmo grupo de perfis debatendo a estratégia de comunicação e proposta da primeira classificada para final ou você realmente acredita que uma pessoa escolheria o programa mais vigiado do Brasil para realizar um retiro espiritual? Quando pensarem na construção de um preconceito sofisticado, falem desse texto.

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Ariel Freitas
Mandume

Jornalista e escritor. Colaboro com o Noticia Preta, Revista Subjetiva, New Order e Escola de Poesia. Já colaborei com o Alma Preta e o Perestroika.