Está na hora de se manifestar!

Porque eu não vou desistir do Brasil

Florentine VersteegVedana
Manifesto 55
6 min readOct 25, 2018

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Os tempos são tensos e complicados. Embora eu não tenha o poder de votar nas eleições, estou constantemente pensando sobre o que está acontecendo, o que vai acontecer e o que posso fazer a respeito. Você pode achar graça essa última parte; o que uma pessoa — uma gringa — pode fazer para melhorar esse situação? Parece que somos todos impotentes, exceto pelo nosso voto. Depois das eleições nós apenas temos que viver com as consequências. Nossos líderes sempre prometem resolver todos os nossos problemas, mas parece que com o tempo eles apenas tornam tudo mais tenso e complicado.

Parece que todos vivemos com medo: o medo da corrupção permanecer e o medo de uma ditadura horrível com discriminação, sexismo, até mesmo tortura e a derrubada da floresta amazônica e coisas piores. E no mesmo tempo há pessoas dizendo “não vai fazer diferença, ambas são escolhas horríveis, estou votando em branco”. Todos os lados têm medo de ser enganados e estão acusando os outros de criar notícias falsas.

Antes de mais nada, vamos dizer que o populismo de extrema direita não é apenas um fenômeno brasileiro. Nos Estados Unidos elegeram a personificação do populismo de extrema direita como presidente e na Europa e na Ásia há muitos países que estão se movendo nessa direção ou que já elegeram primeiros-ministros e presidentes que prometem trazer de volta os ‘bons tempos velhos’, ‘limpar’ o país e não deixar os imigrantes entrarem ou expulsá-los. A escolha do Reino Unido para sair da União Europeia (Brexit) reflete o mesmo medo e falta de confiança que podem ser vistos globalmente. Como chegamos neste ponto que pessoas como Bolsonaro e Trump viram a solução?

Na Manifesto 55 falamos sobre momentos de confusão e caos e como temos a opção de ir para o controle (ordem, regras, medidas extremas e até intervenção militar) ou para co-criação (trabalhando juntos em soluções para problemas complexos através da construção de confiança, diálogo e empatia). Neste segundo cenário, entendemos que os problemas que enfrentamos são tão complexos (envolvendo mudanças econômicas, mudanças climáticas, inovações sociais) que nenhuma pessoa (um líder ou um herói) pode resolvê-los sozinho. Essa mudança para a co-criação exige que os líderes não oferecem respostas e soluções prontas, mas façam perguntas, envolvam as pessoas, criem confiança e garantam que as soluções sejam resolvidas juntas.

Nós falamos sobre o movimento do Líder-Herói para o Líder-Anfitrião, como discutido no artigo “Liderança na era da complexidade”, de Margareth Wheatley e Deborah Frieze.

Infelizmente, ainda temos muitas crenças que nos impedem de resolver os problemas juntos e de sermos os líderes que podem realmente co-criar mudanças. Acreditamos que uma situação de alto risco requer alto controle. E essa crença cria (ou apoia) sistemas hierárquicos com líderes que prometem nos tirar da confusão. Muitas vezes, no entanto, vemos que esse tipo de líder-herói cria ainda mais caos — como é o caso atualmente nas eleições brasileiras. O país sofreu corrupção e tempos economicamente desafiadores, por isso os líderes prometem melhorar tudo. E agora há mais tensão do que antes! As pessoas param de se olhar, em vez disso, começam a brigar sobre qual líder é o melhor (ou o pior).

A realidade é que os políticos não são o único problema aqui, as eleições criaram uma polarização que talvez estivesse sempre lá. O medo e as crenças agora só tem candidato. Porque se o resultado é 49% ou 51% para Bolsonaro, as pessoas continuarão com medo e continuarão a se machucando mutuamente. As pessoas têm medo de dizer à sua família que são gay, mulheres têm medo de andar nas ruas, negros estão sendo discriminados em toda a sociedade e imigrantes, indígenas e todos que não são branco, hétero e cristão temam por seus direitos básicos. Ao mesmo tempo, há pessoas que têm tanto medo da corrupção dos políticos roubando dinheiro que não conseguem ver a dor e a ameaça que causam aos outros. E há mesmo pessoas que têm medo de gays, mulheres e todos que não são brancos, heterossexuais e cristãos, por ameaçar seu estilo de vida.

Não estou dizendo que todos esses medos são iguais ou que todos esses medos devem ser respeitados igualmente. O ponto aqui é que a conversa não é sobre qual líder-herói é o melhor (ou o pior), mas sobre como trabalhamos e vivemos juntos para criar um futuro em que ninguém se sinta ameaçado. Como podemos criar um diálogo com pessoas que não querem conversar? Um diálogo que não começa com ameaças e drásticas ‘soluções’ e termina com ‘ele não’, mas um diálogo que fala sobre possibilidades e oportunidades, ou talvez, só começa com empatia e compreensão.

“ Está na hora de parar de esperar que alguém nos salve. Está na hora de encarar a verdade da nossa situação — de que estamos todos juntos nisto, de que todos nós temos voz — e descobrir como mobilizar os corações e as mentes de todos em nossos locais de trabalho e comunidades.” — Margareth Wheatley

Está na hora de se manifestar! Precisamos de novos líderes, não líderes heroicos, não falsas promessas, não olhando para o topo da montanha para políticos que não conseguem fazer a mudança que queremos. Precisamos de líderes comunitários, anfitriões e facilitadores para nos guiar no diálogo, criar empatia entre os diferentes grupos, ter as conversas difíceis, fazer as perguntas certas, facilitar reuniões para co-criar soluções. Precisamos de mediadores para resolver problemas impossíveis.

Precisamos nos voltar um para o outro, não para gritar “você está errado” ou “eu avisei”, mas para realmente olhar e entender; mesmo que agora pareça impossível. As pessoas que gritam mais alto ou estão com mais medo precisam de mais amor. Lembre-se, você não tem medo de pessoas cuja história você conhece, independente de o quão diferente elas são de você. Ouvir na essência sempre aproxima as pessoas. Isso exigirá ferramentas de facilitação, comunicação não violenta e processos democráticos profundos.

Apesar do nome, essas reflexões não são um manifesto sobre o que você tem que fazer ou para quem você tem que votar. São minhas reflexões, sobre o que eu vou fazer, por causa do que eu acredito, em que a Manifesto acredita e o que tentamos criar para nossa sociedade; que é criar consciência sobre liderança, oferecer ferramentas para facilitadores e para mostrar às pessoas como criar empatia e confiança para iniciar diálogos e criar soluções juntos.

O cenário futuro potencial deste país, quase me fez dizer — Deu! Eu vou embora! Estou aqui há dez anos e me conecto fortemente com este país. Eu sinto o calor das pessoas e a incrível criatividade e senso de comunidade, embora às vezes isso venha de ser deixado para os próprios dispositivos. Eu sinto o ritmo, a música e vejo a beleza da natureza. Eu também ouço muitos brasileiros que não gostarem do seu próprio país. Alguns me perguntam por que me mudei para cá, porque fiquei aqui, assumindo que as coisas são muito melhores no meu país. As pessoas parecem surpresas quando eu digo o quanto amo morar aqui. Mas é por causa dos Brasileiros que fiquei e vou ficar. Por que eu acredito que tem o poder e potencial de ter essas conversas e gerar esses novos líderes e mudanças necessárias.

Se você é cético sobre o que é possível, dá uma olhada neste incrível documentário ‘Accidental Courtesy’ sobre um homem negro nos Estados Unidos que, ao longo de trinta anos, convenceu mais de 200 membros do Clã Ku Klux a desistirem de sua filiação. (está no Netflix)

Não há necessidade de ser cético. Sim, temos exemplos de ditadores horríveis e pessoas fazendo coisas horríveis, mas também temos exemplos de pessoas se reunindo e fazendo uma mudança.

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