Produção local, consumo local

Por Chico Júnior

Instituto Maniva
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4 min readJul 1, 2021

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Chico Júnior é jornalista e colaborador do Instituto Maniva. Em sua coluna no Manivanet publica textos originais e matérias escritas para outras publicações.

A produção de alimentos no mundo é uma zona; aparentemente organizada, mas, na realidade, confusa e que favorece apenas uma parcela da população, já que milhões de pessoas ainda passam fome,
não têm acesso ao alimento.
Sempre que posso procuro mostrar que o melhor de tudo, em vez das monoculturas e da produção de commodities para exportação, seria concentrar a produção no pequeno produtor, na agricultura familiar, que são, como se sabe, os principais fornecedores de alimentos in natura para a população, no mundo todo.

A Revolução Agrícola, segundo o historiador Yuval Noah Harari, em seu badalado livro “Sapiens: uma breve história da humanidade” (milhões de exemplares vendidos no mundo), foi “a maior fraude da história”, pois, ao nos transformamos de caçadores-coletores em agricultores, passamos a trabalhar mais na produção de alimentos e a nos alimentarmos pior. Se há um certo exagero nessa afirmativa, difícil dizer, mas ele tem lá suas razões. Afinal, pela bibliografia inserida no livro, vê-se que o cara pesquisou praticamente tudo o que historiadores e arqueólogos publicaram sobre o assunto. Os nossos antepassados de 12 mil anos atrás, quando se acredita que teve início a Revolução Agrícola, não a programaram, como hoje se programam as monoculturas; ela simplesmente aconteceu, as circunstâncias a criaram.

Mais recentemente (década de 1950), a Revolução Verde (esta sim,
planejada), prometia, com seus agrotóxicos, fertilizantes sintéticos e
sementes geneticamente modificadas, produzir tanto que acabaria com a fome no mundo. Deu no que deu: embora a produção de alimentos no
mundo tenha realmente aumentado (mas a população também), a fome
ainda grassa em muitos países, pois a questão não se resume apenas
à produção, e sim à dificuldade de acesso aos alimentos. Os grandes conglomerados de produção e distribuição de alimentos têm lutado bravamente — econômica e politicamente — para que o “negócio comida” fique cada vez mais em suas mãos, desestimulando a produção agrofamiliar.

Hoje, a produção mundial e distribuição de alimentos, incluindo aí as bebidas não alcoólicas e os ultraprocessados (principalmente), estão nas mãos de 10 multinacionais, algumas delas bem conhecidas nossas, como a Nestlé, a Coca-Cola, a Pepsico, a Danone e a Unilever. Os governos (federal, estaduais e municipais) fingem não ver esse quadro, ou veem e se esforçam muito pouco para mudar a situação. Tudo seria diferente, para o bem-estar social, o meio ambiente, a economia e a geração de empregos se, em vez de fomentar a
monocultura e as exportações, o foco fosse o investimento no pequeno produtor, estimulando a produção local e o consequente consumo local.

A produção deveria estar próxima do consumidor

Mesmo considerando as condições climáticas regionais propícias para
a produção de determinados alimentos in natura, praticamente todos os
estados brasileiros têm condições de produzir alimentos para boa parte
de suas populações. Acreditou-se, por exemplo, durante muito tempo que a produção de uvas, viníferas ou não, seria uma exclusividade do Sul do país, mais especificamente, do Rio Grande do Sul. Mas hoje se produz uva no Vale do São Francisco (Bahia e Pernambuco), Minas Gerais, São Paulo…
Uva não é um alimento básico para a população, mas o arroz é. Cito,
portanto, um exemplo, que pode ser replicado para muitos outros
produtos e regiões.

Praticamente todo o arroz consumido no Estado do Rio de Janeiro vem do Sul, principalmente Paraná e Rio Grande do Sul. Imaginem o quanto se gasta na logística (investimento em transporte, pessoal, combustível etc) para fazer este arroz chegar ao consumidor final. Mas até há bem pouco tempo, um município fluminense, Laje do Muriaé, era um razoável produtor de arroz. Por falta de política governamental, descaso e investimento, hoje o que se produz lá mal dá para abastecer a cidade e parte da região Noroeste do estado. Além disso, um estudo recente da Universidade Estadual do Norte
Fluminense Darcy Ribeiro (UENF) mostrou que cerca de 150 agricultores familiares do Estado do Rio de Janeiro cultivam mais de 170 tipos de feijão.

A coisa, portanto, é bem simples. ou melhor, deveria ser: bastaria os governos, bem como os legislativos, estaduais e municipais criarem mecanismos e políticas públicas para o desenvolvimento da produção o mais perto possível do consumidor, investindo, por exemplo, na agricultura familiar urbana e periurbana.

Resumindo: produção local, consumo local.

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Instituto Maniva
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O Instituto Maniva é uma associação sem fins lucrativos que tem como missão promover a melhoria da qualidade alimentar das sociedades rural e urbana.