Produtores — Aly e Naná Ndiaye
Uma paisagem de um pequeno sítio, com plantações de todas as cores cercadas por uma pequena mata. O barulho da água correndo em um pequeno córrego, entrecortado pelo cacarejar de galinhas e pelo riso de crianças se divertindo. O cheiro de terra molhada pela chuva da serra depois de um dia quente. Pegar no pé os vegetais que comeríamos em breve. E, finalmente, o gosto delicioso de comida de verdade, plantada de forma agroecológica e recém colhida.
Visitar a família Ndiaye foi incrível para todos meus sentidos. Mas ouvir a história dos dois foi o que mais me marcou.
Nascido no Senegal, Aly estudava Ciências Econômicas, quando descobriu, no último dia de inscrição, sobre um programa de intercâmbio universitário para o Brasil. Ele e mais cinco senegaleses foram selecionados e embarcaram para o Brasil em 1993. Filho de um técnico agrícola, Aly escolheu estudar na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro — UFRRJ.
Acabou ficando no Brasil e se formou em Engenharia Agrônoma, tendo sido bolsista de Iniciação Científica pela Embrapa em "Viabilidade Econômica e Manejo de Hortaliças". Aly adiou o projeto de um mestrado para ir morar e trabalhar no Brejal, em Petrópolis, comunidade pioneira da agricultura orgânica no Rio de Janeiro.
"Naná", apelido de Sokh Ndiaye, veio para o Brasil um pouco depois, em 1996, e se formou em Economia Doméstica, também pela UFRRJ.
Depois da experiência no Brejal, o casal não saiu mais do mundo da Agroecologia. Passaram pelas fazendas Chá do Cafundó e Vale das Palmeiras, até chegarem ao pequeno sítio aonde os visitei, com a Ecochef Teresa Corção e mais alguns interessados na história incrível dos dois.
“Eu sempre questionei: de onde vem o que eu como? Então, se eu conseguir produzir ou reduzir o máximo possível o distância entre eu e a minha comida, pra mim é melhor. Então hoje posso dizer que, mais de 70%, eu consegui esse objetivo." — Aly Ndiaye
Os dois trabalham no sítio e produzem comida para sua família, para vender em feiras orgânicas pela região e em cestas entregues diretamente na casa de outros apaixonados pela agricultura agroecológica.
Aly também trabalha como consultor do SEBRAE, ajudando a implantar em outras fazendas conceitos da Agricultura Orgânica e na construção sustentável da cadeia de produtos agroecológicos.
"Eu acho que o controle do processo produtivo, o planejamento bem feito, saber seu custo de produção, saber construir um mercado local para redução desses custos, reduzir o máximo possível a distância entre o produto e o mercado, isso acho que é um dos desafios." — Aly Ndiaye
Com a tecnologia social PAIS (Produção Agroecológica Integrada Sustentável), da qual é idealizador, o engenheiro agrônomo já impactou 10.000 unidades de produção de alimentos no Brasil e na África, transformando pequenos agricultores em agricultores orgânicos e trazendo conceitos de gestão sustentável para os produtores.
Mas Aly diz que o maior desafio dos orgânicos não está na produção, pois muito já foi construído e disseminado na parte técnica e de gestão, mas sim na comercialização. Afinal, o consumidor é que compra. E o consumidor precisa entender as vantagens de escolher os alimentos orgânicos.
"Quando eu compro um produto orgânico, o que estou contribuindo para o país? Estou contribuindo para a preservação do meio ambiente […], para a preservação das águas, para relações justas de trabalho."
No fim da visita, ficou na memória o que passou pelos meus sentidos. O cheiro da comida fresquinha. O gosto da couve colhida diretamente do pé. Passar a mão pelas folhas de tudo que foi plantado. Mas especialmente o som da risada forte de Aly e a visão do sorriso aberto de Naná.