O experimento das redes sociais

Rodrigo Ghedin
Manual do Usuário
Published in
4 min readAug 5, 2023

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Balão de notificação de curtida do Instagram, com um coração e o número um dentro, pintado contra uma parede branca.
Foto: Karsten Winegeart/Unsplash.

Em julho, conduzi um experimento: participei do maior número de redes sociais possível pelo Manual do Usuário.

Planejava fazer uma análise bem objetiva, pautada por dados e estatísticas, ao final desse mês imerso em uma parte da internet que não costumo frequentar.

Ao longo do experimento, porém, notei que os números não importavam tanto. Afinal, ao produzir, é meio óbvio que os números subiriam. (O Twitter, digo, X, fugiu a essa lógica; nada mais me surpreende vindo de lá.) E, números por números, não seriam eles que me motivariam a continuar ou desistir de estar presente aqui ou acolá.

Mais do que alcançar milhares de pessoas, o que me levou a romper o modo tradicional de fazer o Manual era a suspeita de que, ao abdicar de estar em redes “onde todo mundo está”, eu nos privava — eu e pessoas que desconhecem o site — de trocarmos ideias.

Queria, pois, estabelecer contato. Números não me dizem se esse objetivo foi cumprido.

De qualquer forma, eles apareceram: ~50 mil visualizações no LinkedIn, ~9 mil de “alcance” no Facebook e Instagram, 5,4 mil “espectadores individuais” no TikTok.

Será que quem me viu nessas redes se lembra de mim? Ou notou que era o Manual do Usuário por trás daquele vídeo, story ou post?

Desconfio que não. E tudo bem, é assim que as coisas funcionam na internet, até mesmo nesta newsletter, que só metade dos inscritos costuma ler, e com o site, onde 80% de todas as visitas vem do Google — gente que entra, acha o que procurava (ou não) e sai para nunca mais voltar.

(Um parêntese: em momento algum meu objetivo foi levar gente das redes para o site do Manual. Desculpem-me, colegas jornalistas e de social media, mas essa estratégia cansou e, dada a má vontade das plataformas com links externos, está fadada ao fracasso.)

Dito isso, outros aspectos do experimento me chamaram a atenção. Alguns, positivamente.

Empacotar o mesmo material bruto em diferentes formatos, para públicos distintos em múltiplos pontos de distribuição, exigiu de mim um trabalho mais cuidadoso e refletido. Isso faz todo o sentido aqui, no Manual, uma publicação sem compromisso com a pressa.

Senti uma conexão maior com o que eu estava comunicando. Pensei mais em leitores/espectadores/seguidores. Era como se tivesse que “justificar” melhor as minhas escolhas editoriais. Difícil de explicar, mas acho que deu para sentir (um pouco) a diferença.

Se por um lado espalhar a minha mensagem em locais novos e/ou inóspitos teve esse gostinho bom, por outro pesou a sensação de ser usado por algoritmos, como se eu estivesse abastecendo uma máquina de engajamento — que não é minha — em troca de benefícios residuais, às vezes nem isso.

Dois exemplos que ilustram essa contradição:

  • Um vídeo bobo que fiz de alguns dos seis (digo, cinco) táxis elétricos de Curitiba, seis segundos que gravei de dentro do ônibus, foi visto por quase 6 mil pessoas no YouTube. No Instagram, a audiência foi de menos de 1 mil visualizações.
  • Antes disso, um vídeo comentando a chegada da IA do Google ao Brasil teve 1,7 mil visualizações no Instagram, e apenas ~400 no YouTube.

Esse fenômeno é ainda mais forte no TikTok, onde a contagem de seguidores é total irrelevante e alguém com menos de 30 consegue fazer um vídeo alcançar +3 mil visualizações.

Achei bem maluco, ao sentir na pele, como alcance é uma métrica artificial, à mercê de algoritmos que variam muito de plataforma para plataforma.

No fundo, eu também tinha um grande receio de estar fazendo papel de ridículo ao aparecer em vídeo, sensação que, por qualquer razão, eu não sinto com o texto escrito ou falado (embora talvez devesse sentir um pouco). Assunto para a terapia.

Na reta final do experimento, perguntei nas redes e no Órbita o que as pessoas acharam dele.

A maioria não notou ou, se sim, achou positivo.

No LinkedIn, o Julio Simões disse que achou “excelente a seleção dos temas publicados aqui e o jeito que você adaptou” porque “ajuda a deixar esse lugar um pouco menos tóxico e mais pensante”.

No Instagram, o Jonathan da Silva Nazareth disse que achou bom: “Tive mais acesso ao conteúdo do Manual do Usuário”. No mesmo sentido, o Breno Burrego comentou que “quanto mais janelas até o conteúdo final, melhor!”

No Órbita, André Gil falou algo que ecoou bastante aqui:

Das redes sociais eu só acompanho o Telegram, o Mastodon e às vezes o que você posta no YouTube. Então o meu consumo não mudou tanto, porém eu senti que tudo ficou um pouco “mais humano” e isso foi bem positivo.

Em um experimento em que números não interessam, que tem por objetivo fomentar conexões humanas, acho que esse foi o melhor feedback que eu poderia receber.

A audiência do site do Manual permaneceu estável, a base de inscritos da newsletter cresceu no mesmo ritmo de antes. São, como já disse em várias ocasiões, as minhas plataformas preferenciais, e continuarão assim.

Daqui em diante, darei alguma atenção aos canais sociais do experimento de julho. Não por ver neles o futuro. Pelo contrário. Sigo desgostoso com os rumos das plataformas comerciais e com gente da laia de Zuckerberg, Musk, Huffman e Durov, mas, parafraseando Steve Jobs, ninguém deveria se furtar de dar um copo d’água a quem está no inferno. Numa dessas, o pobre diabo se anima a sair de lá.

Publicado originalmente na newsletter do Manual do Usuário. Inscreva-se gratuitamente para receber outros artigos de opinião.

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Rodrigo Ghedin
Manual do Usuário

Escreve sobre tecnologia pessoal no Manual do Usuário.