Startup Lifestyle — Parte I
Porque sai do serviço público e mergulhei no mundo das startups
No começo da graduação a vontade é trabalhar nas empresas fodas, que naquela em 2000 podíamos citar a Borland, o Yahoo, a Microsoft, a Macromedia, etc. Mas os "planos" de iniciantes nem sempre levam em consideração a realidade, o mercado regional, a segurança de uma vida boa, os sentimentos que você vai construir durante o caminho e os valores que você vai achar bom/ruim.
Eu não fui diferente, passei por muitos altos e baixos durante boa parte da minha carreira. Demorei algum tempo pra me conhecer e encontrar o que me move. Alinhar meus valores, meu talento, minha força com atividades me tornam uma pessoa melhor.
O Estudo e Trabalho na Universidade
Eu estudei por 5 anos e trabalhei por 4 anos na Universidade Federal do Pará (UFPA). Fui de estagiário/bolsista, à funcionário público em 2004. Foi uma época de sorte, onde tive a oportunidade de conviver com pessoas que me fizeram evoluir muito.
Nós tinhamos muita liberdade de criação e trabalho na UFPA, isso fez com que usássemos muito softwares livre e produzíssemos muito. Nesse tempo, nunca quis sair da universidade, focando todo o meu tempo em aprendizado e execução dentro de um ambiente que proporcionava experimentação e troca de conhecimentos.
Foi nesse período também que nós empreendemos muito. Em uma escala pequena, mas que já dava pra sentir o sabor.
Abstract, a primeira vez a gente não esquece
Estávamos no primeiro semestre de 2004, e um amigo de trabalho me chama e fala que tem uma demanda pra um sistema grande, e me pergunta se eu conseguiria desenvolver. Na hora eu pensei no time, e rapidamente conseguia formar um time muito bom, só com os amigos, de forma fácil.
Eu falei que sim, ai começou a corrida pra formar um time pra desenvolver um sistema de escopo de um ano ou mais em sete meses. Assim começava a Abstract, a primeira empresa que fui sócio.
São diversas histórias durante esse período, mas algumas especialmente ficaram na minha memória. Por exemplo, no dia que homologamos a primeira parte do sistema na receita federal. Nós tinhamos 21, 22 anos na média, as empresas realmente arriscaram em nos contratar, mas tudo deu certo e foi nosso primeiro marco. Aquele fim de tarde na Amazon Beer vai ficar na memória por um bom tempo. Até o pastel normal que eu comi tem um gosto diferente até hoje. Era o gosto de empreender, de entregar as coisas, de ver o esforço do time sendo concretizado.
E num outro dia que tinha uma entrega importante e uma palestra pra apresentar no mesmo dia. Fiquei até 2h da manhã no desenvolvimento (movido a café), depois fui "terminar" a palestra. Resultado: dormi 2 horas e fui palestrar. Tive a grande ideia de tomar um Red Bull as 8:30 da manha, daí simplesmente começou a disparar meu coração e eu não conseguia mais me controlar diante de 800 pessoas. Foi ruim, mas foi uma lição bem aprendida.
A decisão de sair da Abstract foi umas das decisões mais difíceis da minha vida. Por alguns motivos:
- Eu havia gostado muito de empreender.
- O sentimento de perda. Depois da luta inicial, tinhamos um bom time,estrutura e algum dinheiro. Só pensava na dificuldade de chegar naquele ponto novamente.
- Embora nossa produção não estivesse boa, ainda acreditava no time, pois eram amigos de comprovada competência.
- A liberdade criativa era algo viciante. Sabia que fora dali ia ser bem mais difícil continuar nesta crescente de aprendizado.
Mas no fim, pesei os pontos e achei que valia mais apostar em outros caminhos, e que se eu continuasse lá podia perder as amizades, e ainda não conseguir mudar o status quo, etc.
Mas ali eu percebi o quão bom era empreender. O sabor de gerar valor dessa forma ficou na minha mente. Mas também já sabia do quanto era complicado no começo, isso geraria um trauma de médio prazo.
Lições aprendidas
- 5 sócios no início é complicado.
- Equity igual não acredito ser algo bom, principalmente se isso se reflete em poder nas decisões. Alguém que mande e deixe claro as coisas é bom.
- Alinhar a visão é essencial. Deixe claro os objetivos de longo prazo e as metas de curto prazo desde o início.
- Quando você faz uma sociedade com amigos você coloca em risco a amizade, então tenha em mente que vocês terão que separar as coisas.
- Comemore suas entregas, sempre !
- Não tome Red Bull antes de palestrar. Acho que isso se aplica a muita cafeína também. Principalmente se não dormiu no dia anterior.
- Na área de software o prazer de empreender foi diretamente proporcional às dificuldades. Principalmente naquela época e em Belém.
E agora ? Tô graduado.
No começo de 2005 o meu longo período de aprendizado tinha acabado, tinha me formado e era hora de seguir o meu caminho. Isso coincidiu com a minha saída da Abstract. Só aí que eu fui perceber algumas coisas: o mercado de Belém era ruim e que eu não queria sair de Belém.
Rodei por umas empresas ruins que pagavam "bem", e resolvi me candidatar pra alguns programas de mestrado. Acabei entrando em julho de 2005 no programa de pós-graduação da UFPA , que acabara de ser criado.
Eu não tinha a mínima ideia do que era o mestrado, isso provocou uma série de ilusões e desilusões durante este processo que levou uns 5/6 anos. Aqui não vou falar sobre o mestrado (que no fim foi bom), mas este compromisso fez com que eu criasse um senso de necessidade de tempo, que influenciou em boa parte das minhas decisões posteriores.
Lições aprendidas
- Quando se formar não precisa tomar as decisões correndo. O ideal é planejar no fim da graduação, mas se não der, fique tranquilo e tome decisões calmamente.
- Se der, viaje sempre. Especialmente, de uma volta grande aqui. Você vai pensar melhor.
Trabalhando no governo
Seis meses depois de entrar no mestrado eu fiz o concurso do SERPRO, passei. No momento que passei no SERPRO fiquei feliz por principalmente por dois motivos: seria minha primeira experiência "enterprise"; e era um bom salário pra Belém. Além dos meus pais ficarem felizes por ser funcionário público.
Junte a minha imaturidade, a minha tendência de não aceitar regras, com a lentidão, burocracia, o atraso tecnológico e de mentalidade do governo. Depois de uns 8 meses a desmotivação já estava a pleno vapor. Não passava pela minha cabeça que isso fazia parte do serviço público nesse nível e que a UFPA e alguns outros poucos lugares eram, em parte, exceções.
Só depois de muito tempo a gente percebe que todas as políticas dentro da maioria das instituições públicas são formuladas pra minimizar os problemas, e não maximizar os resultados. Desta forma, gerir equipes em serviços públicos é complexo e muito difícil. Ainda mais em software.
O mestrado parecia a solução novamente, pois estava trocando de orientador pra focar na minha área, Engenharia de Software. E a incompatibilidade do SERPRO com o mestrado me fez fazer outro concurso com carga horária menor. Pedi demissão e fui ganhar 1/3 do meu salário na ALEPA. Era essa a solução à época, pois a iniciativa privada parecia ser pior.
Só teve uma coisa que eu esqueci de fazer nessa transição, diminuir os gastos relacionados ao meu estilo de vida, já que eu imaginava aumentar meus projetos paralelos. Quando percebi, eu pagava o aluguel em um mês e o carro no outro. Foi minha primeira falência pessoal.
Agora tinha tempo, mas não conseguia usar meu tempo. Andava preocupado com o dinheiro, foram tempos dificílimos.
Na ALEPA, não tinhamos nenhuma estrutura. Mas deu pra fazer um trabalho legal, começamos o sistema de RH de lá. A ideia lá era deixar um legado pra desenvolvimento de sistemas. O resultado foi legal, o time era bom. Era aquela velha máxima: "Ganhamos mal, mas nos divertimos".
Era uma empresa de transição, um período de transição, mas que não deu muito certo, pois não evolui muito no mestrado.
Em 2008 fui pra um Banco assumir um papel que tinha haver com os assuntos da minha dissertação. Desta vez, eu trabalhava pra o governo, e não no governo.
Fiquei um ano no banco, trabalho frenético, sem praticamente nenhum avanço na dissertação do mestrado. Faltava disciplina. Ficava criando a ilusão que eu não tinha tempo, mas todo dia 19:30h tava em casa.
Quando vim pra São Paulo e vi gente todo dia perdendo 3 horas no traslado pro trabalho, trabalhando 8/9 horas, estudando, tomando uma gelada, tudo numa boa, eu vi que tinha tempo tempo infinito em Belém e não sabia.
Até que voltou a ideia de que eu precisava de tempo, e apareceu um novo concurso pro SERPRO em 2009, fiz e passei.
Lições aprendidas
- Se você acha que não tem tempo, realmente olhe pra outras pessoas e veja se isso é verdade.
- Equilibre seu dia-a-dia, não deixe sua ocupação principal tomar sua vida de você. O Ev Williams resume algumas coisas bem legais aqui.
- O nível enterprise tenta solucionar problemas TI que não deveriam existir por padrão, ai criam outros problemas, e isso segue de forma recursiva até a desistência. Quando você vê uma hierarquia muito grande lembre-se disso.
Demorou mas eu achei
Agora o SERPRO tinha mudado, muitos amigos meus no comando. Agilidade era realidade, Software Livre idem. Isso me animou. Eu também estava bem cansado e sobrecarregado no Banco, principalmente por eu não conseguir equilibrar minha vida pessoal com o trabalho, não por culpa do trabalho, mas pela minha mentalidade.
Eu tinha em mente duas hipóteses interessantes: melhorar meu nível indo pra uma instituição mais madura; e novamente andar com o mestrado.
Depois de um tempo as hipóteses se mostraram falsas. Primeiro que eu não havia ainda achado a motivação real pra eu terminar o mestrado, segundo que eu realmente não gostava trabalhar com as restrições governamentais e com tudo que vem em detrimento disso.
Mas aqui as coisas mudaram !
Eu enxerguei o impacto que a tecnologia, os modelos de negócio inovadores e o empreendedorismo estava gerando. Eram as startups !
Era isso que eu gostava: empreender, gerar valor e impactar pessoas, software, risco, ser lean/anorexic, etc.
Recebi um convite de dois amigos pra fazer uma consultoria pra uma startup que estava começando, a Onsee. Depois de uns 6 meses comecei a experimentar paralelamente. Nessa época eu já estava lendo sem parar sobre tudo: Cauda Longa, Free, etc. Já tinha começado o fascínio.
Até que lendo o livro Startup (Founders at Work) da Jéssica Livingston as coisas ficaram mais claras pra mim. Foi quando eu decidi que iria sair do SERPRO e aceitar a proposta full time da Onsee. Tentei me preparar e aguentar uns 3 meses pra juntar alguma coisa. Acabei nem conseguindo ficar esse tempo. Já não conseguia render no SERPRO e isso me afetava negativamente.
Foi nesse período que também percebi que eu não estava guiando minha carreira, não havia um plano de médio/longo prazo, havia apenas uma busca pra melhorar minha condição e diminuir meus riscos dentro de um mercado instável e pequeno.
A minha escolha de ir pra uma Startup foi algo consciente. Aquilo estava alinhado com as minhas perspectivas de vida, dava sentido ao o que eu gostava de fazer. Então nada mais justo do que parar e planejar a médio prazo.
Como eu sabia que o risco era alto, era a minha primeira startup, criei alguns pontos pra tentar me proteger a médio prazo. Por exemplo, defini um “stop loss” de um ano. Caso não desse certo (no meu ponto de vista) eu iria partir pra um aprendizado profundo pra voltar e empreender novamente.
Enfim, fui tentar ser feliz fazendo o que eu gosto !
Lições aprendidas
- Busque entender o que te move. Busque entender se você gosta de riscos ou não. Busque entender o que você quer deixar de legado. Busque entender o impacto que isso terá na sua vida, e os sacrifícios atrelados.
- Se você está andando em círculos em sua carreira, pare e pense no porquê isso está acontecendo. Tente chegar na raiz dos problemas. Converse com muitas pessoas com mentalidades diferentes.
- Se você chegar na conclusão que o problema é você, desconfie, pode ser que você não tenha achado os reais valores e pontos que motivam você a se mover.
- O governo não é pra todos, exige uma série de qualidades que, por exemplo, são complicadas pra mim. Da mesma forma que empreender, pesquisar, etc. também não é pra qualquer um.
- Leia muito. Relatos reais, não somente histórias com final feliz. A vida é muito mais tortuosa do que se imagina.
Então tudo foi bem. Não, pera!
No segundo semestre de 2009 começava uma nova história. E não foram coisas boas a partir daí. Nessa época em que percebi o quanto havia ficado parado, não estava acompanhando a evolução da área. Evolui muito depois disso.
No fim, foi uma decisão correta. Isso me trouxe onde eu estou hoje, e realmente me fez tomar as rédias da minha carreira, me tornar uma pessoa melhor. Mas foi muito mais difícil do que eu esperava.
O que importa pra mim é que eu estou feliz fazendo o que eu faço hoje, independentemente dos resultados alcançados até aqui. Importante mesmo é o caminho, e ver que vale a pena continuar.
Citando uma frase de Hemigway
É bom ter um fim para onde traçar uma jornada, mas é a jornada que verdadeiramente importa, no fim.