A nuvem.

Marcelle Cerutti
Marcelle Cerutti
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2 min readDec 30, 2019

Crônicas de uma maternidade.

A composição dos corpos era geométrica: eu sentada em um banco, Luca brincando no gramado logo a minha frente e na outra ponta uma senhora combinando calça, blusa e cabelos claros. Ela, sentada com sua bolsa a tira colo ao lado, mexia no celular. Luca andava chacoalhando um galho, procurava folhas, cantarolava palavras soltas ao vento. Eu, tentava ver poesia, mas não conseguia. A cabeça transbordava e tudo que eu conseguia fazer era tentar prever o próximo passo em vão dele. Da minha boca só se ouvia:

“cuidado, aí não, volta aqui.”

O estado era de uma certa dormência do presente, um querer desligar e ao mesmo tempo ter que estar. Foi então que eu vi a senhora na outra ponta olhando pra nós. Ela sorria com uma ternura que parecia que enxergava a nuvem que tinha sobre mim, como se dissesse:

“Vai passar. Vai passar essa nuvem e vai passar o tempo pra essa criança também.”

Ela parecia contemplar aquele nosso instante de presença como se fosse um filme da sua própria memória. Imaginei se ela teria tido filhos e estaria lembrando deles. Imaginei o que fica guardado e o que se esquece desse turbilhão que é ser mulher e mãe de uma criança de 2 anos nesse mundo. Imaginei então que um dia eu poderia ser a senhora sentada sozinha no banco da praça olhando outras mães, seus filhos e suas nuvens. Era como se ela visse em mim uma versão dela do passado, e eu visse nela uma versão minha do futuro. Um respiro e fim do instante. Ela foi embora e a nuvem continuava lá. Quem dera alguém ter o poder de dissipar nuvens assim.

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