Meu filho nasceu

Marcelle Cerutti
Marcelle Cerutti
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6 min readDec 30, 2019

Relato do dia que o tempo parou.

“Flesh of My Flesh,” by Esther Edith

É necessário um tempo pra processar o nascimento de um filho. Quase dois meses depois é que eu consegui sentar e escrever como foi aquele 30 de janeiro de 2017. Escrevo pra nunca esquecer (se é que isso é possível) mas também pra dividir com quem quiser, os meus desejos, anseios e expectativas que envolviam o tão esperado dia e como de fato ele aconteceu.

Durante toda a gestação eu desejei um parto natural e me preparei pra isso. Coisa fora do padrão pra quem tem uma mãe que teve 3 cesáreas e o mesmo aconteceu com a maioria das mulheres da família. Eu cresci acreditando que esse era o melhor parto que se poderia ter. Mas o fato é que eu tinha consciência que eu não sabia muito sobre o assunto, então fui atrás. Li matérias, relatos, vi documentários, vídeos de partos naturais (confesso que no começo foi bem difícil conseguir ver até o final), vídeos de cesáreas, partos em casa, no hospital, aqui e na China. Comecei a seguir perfis no instagram e a perguntar pra toda mãe que eu conhecia como tinha parido seu filho, assim, na cara dura, e acabei descobrindo que eu sabia muito pouco sobre o assunto.

A beleza do parto natural e todo o empoderamento feminino que existe por trás dele foi a chave pra eu ter certeza que queria ter um parto natural e mais humanizado possível — eu não sabia que eram duas coisas diferentes. Sempre associei o parto humanizado com o parto natural, mas pra minha surpresa descobri que uma cesárea pode sim ser humanizada.

Pra que o meu desejo de parto fosse possível dependia de uma outra coisa: a equipe médica. A Dra Helô era nova na minha vida, tinha tido UMA consulta apenas com ela antes de descobrir que estava grávida e foi ela que acompanhou os primeiros passos da minha petit famile que estava se formando, sempre muito atenciosa, calma e muito humana. Consultei outros médicos por desencargo e eles me fizeram ter a certeza que eu queria ela pra ajudar o meu filho a nascer.

No oitavo mês tive uma consulta com a enfermeira obstetra da equipe, a Tati, e foi como um abraço. Em um papo sem pressa, ela me explicou TUDO que poderia acontecer e quais seriam os encaminhamentos no caso de uma cesárea ou parto natural, tirou minhas dúvidas, ouviu meus desejos e me encorajou muito na amamentação, parte tensa pra mim devido a cirurgia de redução de mama que fiz ainda adolescente (why God, why?)

Coração leve, era só esperar o Luca querer nascer. Mas no oitavo mês o nosso Luca continuava lá, sentadinho. As aulas de yoga que podiam ajudar a virar eu já estava fazendo. Caprichei nos exercícios em casa, nos relaxamentos, meditações, conversas com ele e superei o meu medo master de agulhas ~ digo master mesmo ~ e fui fazer acupuntura. Nas últimas semanas eu fazia companhia para as crianças do prédio e ficava de lá pra cá na piscina com a barriga na água pra gravidade dar uma força. Cada movimento mais intenso que ele fazia eu ficava na expectativa dele ter virado e confesso que até o último minuto eu torci por isso. No final, nas minhas conversas com o Luca eu era bem contraditória: dizia pra ele escolher quando e como ele queria nascer, mas desejava que fosse logo e que fosse de parto normal. Eu realmente não queria passar por essa vida sem poder viver a experiência de parir um filho — e ainda não quero.

No dia 30 de janeiro, com 38 semanas e 3 dias eu acordei com dor de cabeça e na barriga (a dor na noite anterior possivelmente foi por conta dos dois Big Mac’s que eu comi (sem xulgamentos, xente). Falei com a Helô e ela pediu pra que eu fosse pro pronto socorro da maternidade just in case. Coloquei minha roupa larga e enquanto esperava pra ser atendida uma cena linda acontecia repetidamente: mini seres humanos eram entregues pra suas mães visivelmente frágeis, que iam embora sem ter ideia do quanto suas vidas ainda iriam mudar. Ficava imaginando que daqui uns dias seria eu aí, com meu filho finalmente no colo, mas tinha convicção que não seria naquele dia pelo simples fato de que eu não tinha acordado preparada pra ser mãe. Ao mesmo tempo que queria que ele nascesse logo, eu estava com medo, queria um tempinho a mais. Hoje entendo que nada no mundo nos prepara pra virarmos mãe, esse tempinho a mais não teria feito diferença nenhuma.

Feitos os exames, descobri que minha bolsa tinha rompido e eu estava com nível de líquido abaixo do mínimo considerado normal e por isso iriam me internar pra fazer a cesárea porque ele ainda estava pélvico e corria risco de infeção se esperássemos mais. BAM.

De repente tudo aquilo virou verdade. Durante os últimos meses eu ficava imaginando como seria esse dia, se a bolsa iria estourar que nem os filmes mostram, se eu iria ficar horas em trabalho de parto, se seria parto normal ou cesárea, se seria de dia ou de madrugada, pra quem eu ligaria primeiro, o que eu diria, mas de nada adiantou tentar desenhar os cenários, como já bem sabemos.

O misto de felicidade, ansiedade e medo viraram choro, que foi confortado pela Helô por telefone e depois pela família, que já começaram se mobilizar pra ir pra maternidade. A Tati chegou e tirou minhas dúvidas, me acalmou, me ajudou a me preparar pra ir para o centro cirúrgico e não saiu mais do meu lado até eu ser liberada da recuperação e ter certeza que o Luca tinha aprendido a mamar e eu a amamentar.

Já na sala cirúrgica, eu tremia cada vez mais conforme as pessoa iam chegando. Pediram se eu queria diminuir as luzes pra ficar mais aconchegante e que música eu queria ouvir. Disse que sim e pedi Você, do Tim Maia (brega, I Know, mas essa música ganhou um novo sentido depois que engravidei). Eles iam me falando tudo que estava acontecendo e eu ia dizendo o que estava sentindo. É um negócio estranho, você não sente dor, mas sente que estão mexendo em você. Não faltaram palavras de apoio, carinho e pessoas tentando me tranquilizar. No momento que eu senti um vazio na barriga eu ouvi:

- Ele é lindo, é perfeitinho, é um alemãozinho.

O combinado era ele nascer e vir direto pro meu colo, esperaríamos o cordão umbilical parar de pulsar e então cortar. Mas o Luca estava todo tortinho na barriga e quando tiraram ele, ele não reagiu, ficou molinho por alguns eternos segundo então cortaram o cordão pra que ele respirasse mais rápido. Ele reagiu na hora que cortaram o cordão, enrolaram ele num paninho e ele veio pra mim.

Ver meu filho pela primeira vez foi algo indescritível. Foi como se o tempo parasse só pra eu poder olhar, beijar, sentir o cheiro dele. Tanta espera, tanta expectativa, tanto anseio, tanto tudo e ele finalmente estava aqui comigo. Quando eu falei com ele o choro diminuiu como se ele reconhecesse a minha voz. Ele ficou alguns minutos no meu aconchego e então foi levado pra fazer os exames com o pediatra lá na mesma sala. Então ele voltou pra mim e ficamos grudadinhos, pele com pele no melhor estilo canguru e aí veio a parte amamentação. O Luca pegou rápido, nasceu com fome e sabendo sugar, o nosso trabalho foi só o de ajudar ele. Ver isso me fez ter certeza que os bebês nascem prontos pra viver, nós é que temos que aprendemos a ser pais.

Ficamos na sala de recuperação juntinhos por mais 1:30h até eu ser liberada pra ir pro quarto. Aquela noite de 30 de janeiro foi a primeira noite pertinho e mesmo muito cansada eu não consegui dormir, estava eletrizada. Ficava olhando ele, ouvindo ele, pensando nele e em como aquele ser humano perfeitinho estava dentro de mim há poucas horas atrás.

Luca nasceu no tempo certo e da forma como tinha que ser. O parto natural deu lugar a uma cesárea mais humanizada possível e a verdade é que nada disso importa depois que ele veio pra mim. À Helo, Tati e toda equipe fica o meu carinho por terem ajudado o Luca a nascer da forma mais aconchegante possível. Na foto, o nosso primeiro encontro, quando o tempo parou.

Na foto, o nosso primeiro encontro, quando o tempo parou.

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