O privilégio do homem de escolher quando ele quer ser pai e o tipo de pai que quer ser.

Marcelle Cerutti
Marcelle Cerutti
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3 min readDec 31, 2019

E a canseira que isso me dá.

Uma das coisas que mais tem me cansado desde que eu virei mãe é essa tal paternidade optativa. Eu converso com muita gente sobre o tema, ouço vozes desde a médica do hospital, colegas de trabalho até o moço que trabalha no prédio. A conta é simples e baseada em fatos: a vinda de um filho muda a dinâmica da vida em todas as suas esferas — pessoal, social, financeira, de trabalho. Muda a rotina, mudam os horários, a lista do mercado, as prioridades e até os amigos. Se pra você não mudou, meu amigo, eu imagino que:

1: Você tem condições pra arcar com um time full-time de babá, empregada, cozinheiro (benza Deus!).

2: Tem alguém sobrecarregado do outro lado.

E a questão é que quase sempre é a mulher que sente essa sobrecarga, 99,9% das vezes. Mas por quê? A resposta é simples: Porque o homem escolhe quando ele quer ser pai e o tipo de pai que quer ser.

Ele escolhe se levanta ou não no meio da noite pra levar o filho que está desfraldando no banheiro. Ele escolhe se vai na reunião da escola ou se só avisa que não vai poder. Escolhe se cancela a sua reunião pra ir buscar o filho doente na escola ou só responde que não vai rolar. Escolhe se acorda mais cedo pra fazer a lancheira e arrumar a mochila e escolhe se cabe na rotina levar ou buscar o filho na escola. Ele escolhe se tá afim de tirar o seu domingo pra estudar com o filho ou se só fica com a parte do boletim cheio de notas boas no final do bimestre. Ele escolhe se leva a criança pro médico, pra tomar a vacina ou se só manda um WhatsApp pedindo como que foi. Escolhe se tá afim de fazer o jantar, dar o jantar e limpar a sujeira do jantar ou se de novo não conseguiu chegar a tempo. Ele escolhe se é pai todo dia, a cada 15 dias ou quando dá. Escolhe quanto dá pra pagar de pensão, e se paga. Ele escolhe porque sabe que se não fizer, a mulher vai dar um jeito porque “Que mãe que vai deixar a criança desamparada, né?”

Ai como me cansa!

Photo by Analise Benevides

No auge da decepção a cada conversa dessas insisto em lembrar de pais conhecidos meus que não se permitem escolher. Lembrar deles dá um respiro nessa canseira. Vejo que é possível fazer diferente. São pais assim como mães são mães, e duplam com elas, independente de estarem juntos como casal (pasmem!). Rotina divida, tarefas divididas, afazeres infinitos equilibrados em 4 braços. São pais que fazem isso porque entendem que é deles também a responsabilidade de criar aquele ser, e entende-se “criar” por participar da vida diária da criança. Simples, não é? Mas precisa ter muito peito e coragem pra quebrar toda uma construção social machista e patriarcal pra fazer isso na prática.

Falam que a gente não muda gente grande, mas eu insisto em ser otimista. É preciso falar dessa balança desigual em toda roda que surgir, apontar novos caminhos e questionar, questionar sempre. Junto com isso, seguimos criando nossos pequenos pra serem pais diferentes.

#maternidade #paternidadeativa #maesolo

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