27 DE SETEMBRO DE 1922

O arrojado raid Itajaí-Florianópolis

João Tabalipa, João Willert, Pedro Santos, José Corbetta e Gaspar da Costa Moraes foram protagonistas de um dos mais celebrados feitos da história do Clube Náutico Marcílio Dias.

Fernando Alécio
Clube Náutico Marcílio Dias

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Gaspar Moraes, João Tabalipa, João Willert, Pedro Santos e José Corbetta. Imagem: FGML
Gaspar Moraes, João Tabalipa, João Willert, Pedro Santos e José Corbetta. Imagem: FGML

Entre as glórias do Marcílio Dias na modalidade desportiva que deu origem ao clube, destacam-se as conquistas da Taça Centenário de Itajaí (1920) e da Taça Governo do Estado (1925), esta equivalente ao título do Campeonato Catarinense. Outras tantas taças foram conquistas pela agremiação rubro anil em diversas regatas, disputadas principalmente na década de 1920, os anos dourados do remo barriga verde.

Uma façanha especialmente memorável não foi a conquista de uma regata em si, mas uma demonstração de força e coragem que na época ganhou repercussão nacional. No dia 27 de setembro de 1922, a bordo da valente iole Yara, uma frágil embarcação de quatro remos, cinco rowers marcilistas cruzaram a barra do Itajaí-açu e enfrentaram o mar aberto até Florianópolis.

O objetivo era prestar homenagem ao governador Hercílio Pedro da Luz, que tomaria posse de um novo mandato no governo de Santa Catarina. A histórica guarnição da Yara era composta pelos seguintes remadores: Gaspar da Costa Moraes (patrão), João Tabalipa (voga), Pedro Santos (sota voga), João Willert (sota proa) e José Corbetta (proa).

A primeira largada, na noite anterior, foi abortada na altura da praia de Cabeçudas devido à violência do mar. Na manhã seguinte, nada deteve os intrépidos sportsmen itajaienses, como demonstra o diário da viagem escrito pelo patrão Gaspar da Costa Moraes, reproduzido no livro História do Clube Náutico Marcílio Dias com a grafia original:

Dia 26 — Saída — 23 horas — Regressamos da altura do pharol das Cabeçudas, por ter muito mar cavado e o barco se enchido de agua.

Dia 27 — Saída do galpão — 6 horas. Mar de nordeste na barra e maré de vasante. Contudo, largamos, até descobrirmos a ponta do Estaleiro, fazendo rumo, mais ou menos, às Galés, às 6.15.

Às 6.55, passamos por Camboriú, embarcando muito mar.

Às 8.45 — Passamos por Porto Bello. Ao descobrirmos Macucos, fizemos rumo à ilha, tendo sempre vento NW e maretas. 27

Às 9.30, atravessamos a ponta das Bombas, em uma distancia, mais ou menos, de 50 metros, embarcando muita agua.

Às 10.15, chegamos à ilha dos Macucos, onde fizemos uma ligeira refeição. Largamos na ilha às 11 horas.

Às 11.30, Tijucas estava à vista. Começou, então, a soprar NE, cavando o mar e sacudindo, violentamente, o barco, alagando-o diversas vezes. A travessia da bahia dos Ganchos foi pessima. Montamos a ponta dos Ganchos com difficuldade, devido à violência do mar, na distancia, mais ou menos, de quatro milhar, para evitarmos a ressaca do costão. Navegamos rumo ao Ratone.

Às 12.15, devido à violência do vento, resolvemos arribar à Anhatomirim — Fortaleza de Santa Cruz. Nessa occasião, uma volta de mar entrou pela popa, indo quebrar-se nas costas do patrão, partindo o leme.

Fortaleza de Santa Cruz, na Ilha de Anhatomirim. Foto: UFSC.
Fortaleza de Santa Cruz, na Ilha de Anhatomirim. Foto: UFSC

Aportamos à fortaleza às 13.30, onde fomos carinhosamente recebidos pelo commandante Navarro, officialidade, familias e toda guarnição. Desembarcamos. O commandante Navarro, com uma gentileza captivante, offereceu-nos um jantar em sua residencia, o qual ocorreu na maior intimidade, dando-nos as boas-vindas. Igual procedimento teve o sub-official Sr. Arthur Piaum, que nos offereceu refrescos.

Em palestra com os officiaes da guarnição, disse-nos o commandante Navarro que se havia dado uma coincidencia na nossa viagem, que ignoravamos. E era esta: na occasião em que passavamos por cima do casco submergido da canhoneira “Marcilio Dias”, quasi sossobravamos.

Figura da torpedeira Marcílio Dias, que submergiu em 1894 no litoral catarinense. Acervo Marinha.
Torpedeiro Marcílio Dias submergiu em 1894 no bojo da Revolta da Armada. Acervo Marinha

Tencionavamos sair da Santa Cruz às 14.30, para concluirmos o “raid”, mas, como o commandante Navarro nos fizesse ver que ainda tinha muito mar, resolvemos aguardar a calmaria.

Às 18 horas, aportava à fortaleza uma lancha a gazolina, conduzindo as delegações da Federação do Remo e do Club Aldo Luz, que nos 28 vinham cumprimentar.

Recebidos os cumprimentos, às 18.30, largavamos da fortaleza, tendo, no meio do canal, diminuindo a marcha, afim de que seguisse avante a lancha e desse aviso da nossa chegada.

Às 21 horas, chegavamos ao trapiche da praça Municipal, na capital, acompanhados de barcos do Aldo Luz e lanchas, entre ovações e espoucar de foguetes. Assim terminavamos o “raid” sem maiores incidentes e em optimas condições de saude. No galpão do Aldo Luz, fomos recebidos por numerosa massa popular, entre vivas ao Marcilio Dias.

No dia seguinte, os marcilistas foram recebidos pelo governador Hercílio Luz no Palácio do Governo, ocasião na qual Gaspar da Costa Moraes leu ofício assinado pelo presidente do clube, Ignacio Mascarenhas Passos, que felicitava o governador pela investidura no novo mandato.

Palácio do Governo no século XIX, hoje Palácio Cruz e Souza. Imagem: IHGSC
Palácio do Governo no século XIX, hoje Palácio Cruz e Souza. Imagem: IHGSC

Hercílio Luz, por sua vez, exaltou a “grande prova de resistência” protagonizada pelos atletas do Rubro Anil e prometeu entregar medalhas de ouro a cada um deles. A recepção do governador aos marcilistas foi assim noticiada pelo jornal Republica, de Florianópolis:

A embaixada do Club Nautico Marcilio Dias

Às 14,30, o Exmo. Sr. Dr. Hercilio Luz recebeu, nos salão de honra do palacio, uma commissão de rowers do valoroso Club Nautico Marcilio Dias, portadores de um officio de saudações pela sua posse.

Esta commissão compunha-se dos valentes sportmen Srs. Gaspar Moraes, João Willert, João Tabalippa, Pedro Santos e José Cobertta, que, tripulando uma fragil yole, vieram do Itajahy, arrastando todas as difficuldades, em uma brilhante demonstração do seu valor physico.

O Sr. Gaspar Moraes, em eloquentes palavras, fez a entrega do seguinte officio:

“Club Nautico Marcilio Dias — Itajahy, 27 de setembro de 1922 — Exmo. Sr. Dr. Hercilio Pedro da Luz, DD. governador do Estado de Santa Catharina — O Club Nautico Marcilio Dias, desejando testemunhar o seu sincero regosijo pela posse de V. Ex., no alto cargo de primeiro magistrado do nosso Estado, ao qual foi V. Ex. elevado pelo voto unanime do povo de Santa Catharina, que vê no nome do ilustre filho o defensor denodado de sua grandeza, pugnando, sem esmorecimento, pelos interesses da collectividade;

O Club Nautico Marcilio Dias, modesta parcela dirigente da escola desportiva catharinense, dessa sublime escola onde as energias physicas se retemperam, onde o espirito se eleva na contemplação, ao ar livre, das maravilhas da natureza, em torno da qual a mocidade se agrupa, cheia de fé, estuante de esperança, pela realização dos sagrados ideaes da nossa querida Patria; faz seguir hoje, para essa capital, tripulando o fragil barco “Yara”, os jovens sportsmen Gaspar Moraes, João Willert, João Tabalippa, Pedro Santos e José Corbetta, portadores dos cumprimentos de todos os seus associados.

Aceitai, Exmo. Sr. Dr. Hercilio Luz, os nossos protestos de elevada estima e consideração, junto aos votos que fazemos pela conservação de vossa preciosa saude.

Club Nautico Marcilio Dias — Mascarenhas Passos, presidente.”

S. Ex. o Sr. Dr. Hercilio Luz, em enthisiasticas palavras, agradeceu a carinhosa lembrança do Club Nautico Marcilio Dias.

A largos traços, tratou da acção do sport, referindo-se ao desenvolvimento da cultura physica, que visa tornar forte a raça do amanhã, para a defesa da Patria.

Enalteceu a prova de grande resistencia dadas pelos moços valorosos que vêm de trazer as saudações do Marcilio Dias.

Terminou felicitando-os pelo feliz exito do seu “raid”, e agradecendo a homenagem que lhe era prestada.

Foi servida uma taça de “champagne” aos intrepidos rowers.

— S. Ex. o Sr. Dr. Hercilio Luz resolveu offerecer medalhas de ouro aos rowers da Embaixada do Marcilio Dias.

Hercílio Luz prometeu as medalhas de ouro, mas não entregou. Em 1926, a diretoria do Marcílio Dias enviou ofício ao então governador Adolpho Konder cobrando a entrega das medalhas. Finalmente, em 30 de setembro de 1928, os remadores do raid Itajaí-Florianópolis receberam as prometidas medalhas, em solenidade realizada na Sociedade Guarani, mesmo local onde o Marcílio Dias fora fundado em 1919.

Uma das medalhas prometidas em 1922, mas só entregues em 1928. Foto: Magru Floriano
Uma das medalhas prometidas em 1922, mas só entregues em 1928. Foto: Magru Floriano

Gaspar da Costa Moraes

Gaspar da Costa Moraes
Gaspar da Costa Moraes

Nasceu em 28 de junho de 1899. Entre outras atividades, foi piloto da Marinha Mercante, professor e jornalista. Faleceu em 30 de maio de 1942, em Itajaí. Dá nome a uma escola pública no bairro Fazenda e a uma rua no bairro São Vicente, em Itajaí.

João Tabalipa

João Tabalipa
João Tabalipa

João Tabalipa nasceu em Itajaí em 1898. Foi exator estadual em 19 cidades de Santa Catarina. Faleceu em 1982 em Tubarão.

João Willert

João Willert
João Willert

Nasceu em 4 de dezembro 1896 e faleceu em Itajaí no dia 6 de maio de 1958. Trabalhou como metalúrgico e funcionário da Fiscalização dos Portos.

José Corbetta

José Corbetta
José Corbetta

José Agripino Corbetta nasceu em 23 de setembro de 1901. Trabalhou no ramo madeireiro. Faleceu em 2 de junho de 1970. Empresta nome a uma rua no bairro Fazenda, em Itajaí.

Pedro Santos

Pedro Santos
Pedro Santos

Pedro Advíncula dos Santos aposentou-se como funcionário da Celesc. Faleceu aos 69 anos em 17 de agosto de 1969 no Estádio Hercílio Luz, enquanto assistia ao jogo Marcílio Dias x Juventus (Rio do Sul), vencido pelo Marinheiro por 2 a 1.

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Fernando Alécio
Clube Náutico Marcílio Dias

Diretor de Memória e Cultura do Clube Náutico Marcílio Dias