É fato: Renda Básica na Finlândia já em 2017

O plano é que a experiência se torne o novo modelo de previdência social em 2020!

Marcus Brancaglione
ReCivitas Basic Income Democracy
11 min readNov 23, 2016

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Renda Básica Universal: trechos selecionados (Parte 3)

Exatamente, a noticia diz que a renda básica vai falhar. Isso quer dizer, que não é mais uma promessa. Será preciso agora abortá-la ou sabotá-la para parar. Eles venceram os obstáculos da primeira e segunda fases e agora vai para a prática!!!

A primeira fase de desconstrução é a negação: impossível. Utopia. Desnecessário. Improdutivo.

A segunda é blackout: as experiencias e estudos provam o contrário. Então, para não ter que falar nada de bom, não falamos, ou então minimizamos os resultados. É insignificante. Muito pouco.

E a terceira é esta: Não vai dar certo. É muito pouco.

É lógico que é muito pouco. Eu mesmo sou um dos críticos mais ferozes da falta de iniciativa e urgência, mas é melhor do que nada. E o 1 comparativo ao zero absoluto tem sempre uma distancia infinita de grau.

Por isso pode até ser que a experiência não dê os resultados esperados. Pode até não ser exatamente uma renda básica, mas o simples fato da sua realização já é vitoria, já é uma conquista. Já deu certo. Porque é em cima das falhas e imperfeições que se poderá construir as melhorias.

http://www.forbes.com/sites/francescoppola/2016/08/27/finlands-experiment-is-not-universal-basic-income-but-its-still-worthwhile/2/#21ec5dc2785d

Peguem o exemplo do bolsa-família que nem é propriamente não é renda básica incondicional. Ele deixou sua lição para quem quiser tirar conclusões com independência e honestidade: a transferência de renda funcionou perfeitamente. As condicionalidades não. Ou melhor, (pior) funcionam para outros fins. Ou seja, no balanço final mesmo que tenha falhas, e graves, o programa da Finlândia como toda realização irá cumprir seu papel: demonstrar os acertos que precisam permanecer como conquistas, e os erros que precisam ser eliminados para sua superação e evolução. Mesmo que ao final o produto não seja mais o original, mas completamente o oposto uma verdadeira renda básica universal.

Basta eliminar o que há de podre e impedimento e manter o que de fato foi o avanço.

A grande questão é, qual é a finalidade da experiência: provar que preciso da renda básica ou encontrar o modelo que funciona? Se não estou querendo me enganar, pode não ser o ideal, mas a Finlândia não está buscando provar que o ar existe, ou as pessoas precisam de ar para sobreviver, mas encontrar uma forma de distribui-lo de modo que não falte oxigênio a ninguém. Até porque a pergunta correta que todos governos e sociedades do mundo deveriam estar fazendo é essa: e aí e se não funcionar? Entrega o país para os fascistas, que eles resolvem o problema da pobreza do jeito primitivo, matando os pobres? E quando a eugenia e higienização funcionaram? Quem não sabe onde isso termina?

Pois é. O Brasil largou na frente com a lei em 2004, com o bolsa-família ainda quando era bolsa-escola em 1998, com a experiência em Quatinga Velho em 2008. Mas quem dará o primeiro passo concreto a partir de janeiro para a realização da renda básica em todo o seu pais é a Finlândia. E todos devemos comemorar e esperar que nenhum imprevisto ocorra, que adiam ou mude os planos. Porque esse passo, é um exemplo para todas as nações. Mais do que isso. É lenha na fogueira, da solidariedade (e até mesmo das vaidades). E já começa a acelerar projetos que estavam no forno…

Nada como uma boa concorrência solidária para fazer o mundo girar. Nada como um perigo eminente para fazer as pessoas acordarem e se mexerem. Não. Não, estou dizendo com isso que o avanço da extrema-direita ajudou a acelerar contraditoriamente a renda básica. Não sou idiota. Sei que a ordem dos fatores foi justamente inversa:

Foi a falta de solidariedade e urgência nessa superação do estado-social falido, corrupto e vendido e submetido ao mercado globalizado seus tecnocratas que permitiu a ascensão do neofascismo. Sei e gritei pelos quatro cantos do mundo, e continuo gritando que esse populismo racista e nacionalista vai continuar avançando enquanto houver miséria e vulnerabilidade para alimentar suas ideologias. E vai avançar cada vez mais rápido quanto maiores forem as desigualdade e os excluídos não mais minorias, mas maiorias.

Logo há muito a que ser feito e ser superado. Não, é obvio que as rendas básicas nacionais não vão resolver os problemas do mundo. Mas elas são um passo gigantesco. Não é buraco no muro desse único mundo possível: onde temos que escolher entre tecnocratas ou populistas, que tem como denominador comum os crimes contra a humanidade. Isso é a queda de uma de suas paredes. É a abertura de um novo horizonte de eventos, dentro desse buraco negro. Um novo horizonte onde há um outro caminho de superação das falsas oposições: o caminho do empoderamento e libertação dos povos e sociedades.

Não tenha medo de olhar para o futuro. Nem todos os futuros são os mesmos. E nem terminam nas previdências governamentais ou na Finlândia. Eles começam. Ou melhor se ampliam.

Não sou ingênuo, vivemos em outro mundo. Na sua periferia, com os restos. Nosso buraco é bem mais embaixo. Mas é justamente por isso que temos que lutar ainda com mais força de vontade e coragem pelos nossos direitos a vida que são absolutamente iguais a de todos os seres humanos do mundo. Isto é Renda Básica. E ainda que não saibamos é a nossa luta e a história da nossa luta pela sobrevivência.

Por isso, bato palmas de pé. E dou meu apoio, a experiência da Finlândia, mas não levanto a minha bunda. Não vou me aposentar e dar como missão cumprida colhendo os frutos de um pioneirismo visionário desta prática. Até porque pioneirismo visionário de cú é rola. A luta nunca acaba ao sul do Equador… e aí vamos ficar assistindo esperar nossa classe politica sair da demagogia e corrupção ou vamos tomar a nossa história na mão. Vem vamos embora que esperar não é saber: democracia direta e renda básica já. Revolução silenciosa e pacífica, mas ainda sim revolução.

Para quem?

Mas quem acredita hoje nos Estados-Nações? Quem acredita que os Estados distribuem alguma coisa de graça, fora tiro e bombas nas periferias do mundo, seja dentro ou fora dos seus territórios?

[Não sou besta. Eles jamais o farão de bom grado].

A renda básica advinda deste sistema não poderá deixar de sustentar e reproduzir esse sistema de alienação e privação. E é por isso mesmo que a renda básica, como prática e movimento, não se constitui sem a iniciativa social voluntária e independente dos próprios expropriados para antes de tudo sua instituição mútua e solidária. Sem esse sistema social independente nunca chegaremos à restituição dos nossos direitos naturais como deveres e contratos sociais postos como obrigações constitucionais impreteríveis de governos e empresas. E mesmo se chegarmos até esse estágio, se perdermos essa rede complementar de ajuda mutua, quando ou onde vier a faltar recursos comuns que sejam suficientes para suprir o básico, não teremos nenhum sistema pronto para provê-lo.

O que não falta, portanto, à renda básica é espirito libertário ecológico e humanista. O espírito está lá, escondidinho como que não querendo desagradar os poderosos, esperando e envelhecendo como um Fourier a espera do seu patrono encantado que realize sua fantasia.

Não conseguimos, até agora, construir os sistemas que tanto carecemos em escala verdadeiramente universal, não escapamos ainda completamente da eterna utopia, não porque as massas estejam imbecilizadas, mas porque o ideal de universalidade é tão pobre e delimitado quanto as proposições e projetos que o manifestam. E me incluo nesta crítica.

Por isso faço questão de dizer de novo, com todos as letras:

Nenhuma renda básica nacional ou local, se fechada para o mundo, jamais será uma renda básica universal. E se não ficou claro, permitam-me continuar sendo repetitivo (até cair duro ou sairmos do lugar).

Não estou querendo afirmar com isso que os Estados não devam pagar a renda básica aos povos cuja propriedade e riquezas eles explora e detêm. Ou que pequenas comunidades não possam pagar nem receber renda básica inclusive uma as outras, mas justamente o contrário! Estou dizendo que os Estados, todos eles, têm a renda básica como obrigação e dívida com todos os povos do mundo.

O fato dos direitos universais não estarem restrito a nenhuma fronteira nacional não exime os estados-nacionais de dar cumprimento as suas obrigações humanitárias fora dos seus territórios, justamente o contrário, os obriga a cumprir dívidas e obrigações com todos os povos e pessoas, não importando sua cidadania, origem ou localidade.

Os Estados Nacionais e suas corporações transnacionais não só têm a obrigação de pagar esse dividendo social na razão necessária para que todos vivam livre, em paz, dentro do território natural onde controlam política e economicamente estes recursos, mas como também a corresponsabilidade humanitária com todos os povos do mundo de restituir esse direito natural a cada habitante do planeta. E esta é uma obrigação diretamente proporcional a exata medida aos privilégios e riquezas naturais que extraem com a exploração da privações primitivas do bem comum das populações e monopólio violento desse meios ambientais e vitais, seja como tributos, seja como capitais privados e transnacionais.

Não há problema nenhum em governos e Estados nacionais paguem renda básica, desde que o façam de fato como tal: universal e incondicionalmente. Que seus demagogos tomem isto como desafio, se os impérios, tiranos, e podres de rico do mundo passarem a garantir qualquer renda básica, engulo minhas palavras e me curvo até levantar bem minha bunda para eles. E não precisa ser do seu patrimônio particular, não. Não quero um centavo da herança nem riqueza de ninguém. Mas só dos patrimônios e orçamentos públicos que não pertencem, mas compõe seus privilégios, subsídios, e despesas em armamento, guerra, etc.

Não me entendam mal, este texto não é uma ruptura com aliados que tenham visões ou propostas mais restritas, muito pelo contrário é um chamamento para que mesmo dentro delas não percamos o espirito da renda básica e nosso ideal em comum.

Não vou negar, estamos progredindo como nunca. E um paradigma foi quebrado com nossos pequenos projetos-pilotos e experiências. A utopia finalmente está se tornando realidade — até porque o velho estado de bem-estar social está caindo aos pedaços, e alguma alternativa é preciso. Deveria, portanto, estar orgulhoso, por ter tomado uma pequena parte dessa ainda minúscula revolução que está vindo. Mas, confesso, não estou. Não só porque é pouco, perto do que precisamos, mas porque não vejo nenhuma universalidade na renda básica universal que vem por aí. Não sou nenhum Diógenes para sair com a lanterna em punho a procura de um cidadão cosmopolita de verdade pelo mundo. Mas pergunto: renda básica universal? Universal para quem cara-pálida?

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A renda básica que vem por aí…

Sim, a renda básica vem vindo. E é, sem dúvida, uma conquista. Não vou ser ranzinza, nem estúpido para defecar sobre o que tanto ajudei a plantar. Admito: essa é uma puta conquista, e duvido que tenha gente mais contente com ela. Afinal, ninguém está a mais tempo literalmente investindo seu tempo e dinheiro, literalmente, pagando para esse sonho acontecer. Minto, o pessoal da Namibia, está, não? O que importa, é que não podemos cair no ufanismo. Pelo contrário, temos por isso mesmo, que assumir nosso dever moral como doidos que fomos e fazer essa pergunta: que raio de renda básica é essa que vem sendo pensada por aí? Todos quem? Sim, vejo que a renda básica vem vindo. Mas para quem? E para quê? A quais anseios e propósitos ela vem atender?

Não há ideal que não possa ser esvaziado em seus termos e propósitos e gradualmente substituídos por outros completamente opostos ao seu sentido original. E de repente o que vejo é um ideal de libertação do trabalho alienado, uma garantia de vida livre e digna correndo o risco de ser reduzido, não só a práticas completamente contraditórias a emancipação política e econômica inerente a renda básica, mas a renda básica reduzida a instrumento inverso.

Infelizmente, tenho a impressão que essa nova tecnologia social, como tantas outras, também pode estar sendo apropriada para outros fins e caminhando para propósitos completamente distintos daqueles que nós, lá no começo, tanto trabalhamos para tirá-la do papel. Assim falando me sinto quase como um socialista, dito utópico quando olho para aqueles que se proclamam científicos. O que vejo é eles desqualificando e distorcendo para ajustá-la aos anseios e preceitos dos ditames dos seus velhos dogmas do estadismo ultrapassado e distópico.

Sei que pode parecer completamente sem sentido perguntar qual renda básica afinal veremos acontecer senão uma renda básica universal. Mas entre o ideal tão absurdamente óbvio que mal pode ser renegado sem decair em argumentos desumanos ou racistas, e a sua realização, há mais que obstáculos, mas visões de mundo tão distantes e apartadas por muros e fronteiras quanto os centros do mundo e suas periferias marginalizadas e refugiadas.

E espero estar errado, mas vejo uma certa ingenuidade e até promiscuidade entre aqueles que defendem a renda básica onde faltam liberdades políticas e civis consolidadas, mas também quanto a instrumentalização neoliberal da renda básica como programa compensatório de um processo mundial de precarização de direitos trabalhistas. Mas se eu não estiver errado, esta nova etapa do processo global de divisão do trabalho só fará aumentar ainda o abismo gigantesco da exploração que divide os povos e nações pobres dos ricos.

Não, não vejo uma renda básica para todos. Não todos nós. Não a vejo vindo ou sendo sequer pensada justamente para quem mais precisa dela. Para quem está morrendo ou sendo escravizado e alistado pela criminosa privação de nascer sem o básico para sobreviver. Não, não vejo a renda básica sendo paga para os que sofrem com a predação e extermínio dos recursos naturais e humanos. Não a vejo nenhum projeto de restituição deste direito onde sua foi e é a mais brutal e primitiva, tanto quanto pode ser a pilhagem da civilização sobre o bem comum dos povos e territórios colonizados ou ocupados. Vejo guerras, vejo invasões e refugiados. Mas não vejo projetos de renda básica universal.

O que vejo é governos indo às últimas consequências para controlar os recursos naturais e sobretudo humanos. E depois disto, o ápice da distopia global: a burguesia que vier a prevalecer desta batalha nos países ricos somada aos seus feitores nos país pobre desfrutando do direito ao ócio garantido pelo usufruto do seu bem comum e dos outros, e o resto dos povos do mundo convertidos numa grande senzala, num grande campo de concentração, onde a riqueza cultural e natural do mundo irá desaparecer numa velocidade ainda maior do que já acontece hoje.

Vejo uma renda básica sim, mas os todos de sempre. Apartados por fronteiras e preconceitos. Vejo rendas básicas vindo, mas não renda básica verdadeiramente universais, ou abertas a universalidade, mas rigorosamente nacionais, e fechadas às cidadanias nacionais e fronteiras territoriais. Uma renda básica conceitualmente tão presa e limitada por muros e cercas, tão cega e alienada da realidade do mundo, tão apartada da humanidade quanto nossas próprias nações.

Sei que minhas dúvidas e questionamentos também podem parecer absolutamente despropositados e inconvenientes, principalmente para aqueles que servem ou estão encerrados no arcabouço dos estadismo e nacionalismo. Mas pretendo demonstrar que minha crítica à concepção estato-nacional de uma renda básica tem mais que um propósito, ela é a introdução da proposição, tanto de um novo modelo de renda básica, quanto de outra concepção adequada a sua realização.

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Marcus Brancaglione
ReCivitas Basic Income Democracy

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