Atire a primeira pedra

A evolução do Cristianismo

Leonardo Coreicha
Revista Marginália
6 min readJun 7, 2021

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Quem não tem pecado, que atire a primeira Pedra!

(Jesus Cristo)

Jesus expulsando os vendilhões. Antes de 1570. Por El Greco, atualmente na National Gallery of Art, em Washington D.C..

No século XIX se tornou moda estudar o Cristianismo Primitivo. As novas fontes em hebraico e grego borbulhavam em círculos intelectuais da França, Alemanha e Inglaterra. Todos se chocavam com a forma de organização e o contraste com o Cristianismo Medieval. O que mais encantava a intelectualidade despertada pelo iluminismo é que, enquanto primitivamente o Cristianismo era uma religião descentralizada, comunitária e baseada na solidariedade e no afeto, o Cristianismo medieval era centralizado, estatal e baseado na guerra e no poder.

Nos evangelhos e no Ato dos apóstolos, a mensagem passada era de uma nova fé voltada ao amor ao outro. Jesus viria para libertar das tradições religiosas judaicas e pagãs, que favoreciam os poderosos e levava a união e irmandade entre os oprimidos. Jesus e os apóstolos eram cercados por escravos, leprosos, doentes e excluídos.

Jesus não aceitava a hipocrisia dos fariseus e reprimia a comercialização da religião e comércio nos templos. Longe de se parecer com um rei em um manto dourado e pregar a prosperidade, dizia claramente que favorecia os pobres e que para os ricos não havia espaço no reino dos céus.

Jesus respondeu: “Se você quer ser perfeito, vá, venda os seus bens e dê o dinheiro aos pobres, e você terá um tesouro nos céus. Depois, venha e siga-me”.

Ouvindo isso, o jovem afastou-se triste, porque tinha muitas riquezas.

Então Jesus disse aos discípulos: “Digo-lhes a verdade: Dificilmente um rico entrará no Reino dos céus. E lhes digo ainda: É mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha do que um rico entrar no Reino de Deus”. (Mt. 19: 21–24)

A Igreja medieval subverteu os ensinamento dos Evangelhos ao acumular riquezas e servir de plataforma para reis que buscavam o fortalecimento de seu poder.

Na verdade, a fundação da igreja institucional, cuja estrutura era paralela a do Império Romano, já rompia com os paradigmas do cristianismo primitivo. Quando Constantino vislumbrou a cruz como símbolo de sua vitória militar sobre os seus inimigos, já abriu o espaço para a cooptação da religião cristã para arrebatar a população para a defesa do Estado e da elite.

Se antes o Império Romano matava os cristãos, vistos como subversivos. A instituição da Igreja trouxe a fé cristão para dentro do Estado Romano. A Igreja (Eclésia), que era uma instituição comunitária que reunia pessoas pobres e sem hierarquia, passa a ser uma instituição hierárquica centralizada, sob o domínio de um Papa. Assim, as comunidades cristãs foram loteadas politicamente entre bispos e abades. Se antes havia um modo de vida cristão comunitário, a Igreja o destruiu. Agora a comunhão do pão se tornou apenas simbólica. Não havia mais a solidariedade e comunhão entre os cristãos, o amor ao próximo tornou-se apenas um floreio para amor ao Papa e seus asseclas.

Alguns afirmam que a Reforma Protestante foi uma Revolução. Mas esteve longe de restabelecer a essência do Cristianismo Primitivo. Se Lutero lutou bravamente contra a cobrança por indulgências e a salvação pela fé, também reforçou o elitismo ao apoiar o combate violento contra as revoltas de camponeses protestantes contra os nobres e a poderosa Igreja Católica. Lutero escolheu os ricos e poderosos e se empenhou no massacre dos cristãos pobres.

Calvino foi responsável da adaptação dos ideais cristãos à nova elite emergente. Enquanto a Igreja Católica Medieval se apoiava na nobreza, Calvino busca apoio da burguesia para sua causa. Assim, a predestinação foi a resposta para garantir que os ricos não fossem barrados no reino dos céus. A prosperidade, a usura e a avareza que eram pecados, passaram a ser sinais da bênção divina sobre os novos poderosos.

E desde a contrarreforma católica até o século XX, as Igrejas mantiveram-se no prisma de proteção aos poderosos e braço ideológico dos novos Estados Nacionais. Lembrando que o colonialismo e o neocolonialismo tinham como ideologias a expansão do cristianismo aos povos “primitivos” e pagãos. Evangelização e domínio sempre andaram de braços dados.

No século XX, multiplicam-se as denominações cristão protestantes. O boom das igreja “evangélicas”, também trouxe um protestantismo popular para os países de terceiro mundo, onde o catolicismo dominava, principalmente na África e América Latina. O fenômeno pentecostal e neopentecostal se espalhou pelas comunidades pobres, mesmo pregando a prosperidade e absorvendo muito mais que o dízimo de seus fiéis.

Templo de Salomão. Obra faraônica da Igreja Universal

No Brasil, por exemplo, as Igrejas evangélicas não só cresceram em fiéis, mas também em poder econômico e político. Hoje possuem além de suntuosos templos, redes de rádio e televisão e uma grande bancada legislativa.

A participação dos deputados e senadores da bancada evangélica coaduna com a ascensão da extrema direita na política brasileira. As propostas moralistas e religiosas se misturam com a defesa do armamento civil, das medidas de repressão e controle social.

Entre as propostas mais defendidas pela bancada evangélica foi a “Escola sem Partido”, uma censura às discussões políticas no ambiente escolar. No mais, lutam bravamente contra as minorias, contra o aborto e outras pautas moralistas.

Entretanto, os políticos da bancada evangélica, apesar da grande quantidade de pedras nas mãos, estão no centro da política fascista atual, na propagação de fake news, principalmente no que tange a pandemia.

O novo guru do Governo Bolsonaro é o pastor Silas Malafaia. Ele é responsável pela propagação de ideias antivacina e a favor de tratamentos com remédios ineficazes contra a Covid.

No seu site, o pastor faz campanha contra as vacinas.

Ao mesmo tempo em que boa parte de cristãos seguem líderes fascistas e nacionalistas, há uma perseguição contra o Padre Julio Lancelotti em São Paulo. Ligado à Pastoral do Povo de Rua, que leva auxílio para moradores de rua. O padre sofre ataques de militantes de extrema direita e de cristãos de direita. Incluindo várias ameaças de morte e a alcunha de “cafetão da miséria” criada pelo deputado “Mamãe falei”.

Padre Júlio Lancelotti denunciando a política desumana da prefeitura de São Paulo contra os moradores de rua.

Assim, se o cristão apoia as ideias de Jesus ou do Cristianismo Primitivo é condenado e perseguido por pregar o amor ao próximo.

O discurso fascista passa a ser o novo credo das Igrejas. E pessoas como São Francisco de Assis seriam apedrejados por serem “comunistas”. A propriedade privada passou a ser mais importante que a vida. E a defesa da morte mais dominante que o amor ao próximo

“Se tivéssemos bens, precisaríamos de armas para proteger-nos, porque é da posse dos bens que surgem problemas e disputas. Desta maneira, estaríamos impedindo, de muitos modos, o amor a Deus e o amor ao próximo” — São Francisco de Assis.

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Leonardo Coreicha
Revista Marginália

Educador, historiador, advogado e, principalmente, um proletário lutando contra a opressão capitalista.