Educação

De solução desenvolvimentista à inimiga pública número 1

Leonardo Coreicha
Revista Marginália
7 min readMar 19, 2021

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Em meio a pandemia, a Educação passou a ser novamente objeto de grandes debates. Se antes a direita bolsonarista se colocava contra a Educação e os professores como doutrinadores e exigia o Ensino domiciliar como forma de livrar as crianças das armadilhas ideológicas da Educação. Hoje, com as escolas fechadas e as crianças em casa, há o discurso inverso, de que a Educação é extremamente necessária e que os professores que defendem o lockdown, pela preservação das vidas, são vagabundos que não querem trabalhar.

Educação até a Revolução Francesa era um privilégio de poucos. E mesmo após a instituição da Educação pública, o acesso era extremamente restrito. A vulgarização e universalização da Educação pública é recente e desigual. Nos países ricos a maioria da população tem acesso à Educação de qualidade, enquanto nos países mais pobres o analfabetismo absoluto ou o analfabetismo funcional afetam a maioria da população.

No Brasil, o projeto desenvolvimentista, iniciado por Getúlio Vargas, já divulgada a ideia da Educação como ferramenta para o Desenvolvimento Econômico do País. O processo de universalização da educação pública se iniciou no anos 60. Entretanto, o projeto de João Goulart, que incluía a alfabetização em massa com ajuda de Paulo Freire, foi interrompido pelo Golpe Militar.

Neste período passou a ser lugar comum a ideia de que a Educação era uma ferramenta necessária para o desenvolvimento do país e que o subdesenvolvimento era fruto do grande analfabetismo e a falta de mão de obra qualificada necessária para a industrialização e, consequentemente, o enriquecimento do país.

A Ditadura militar impôs um modelo tecnocrata que privilegiou os planos dos EUA para a formação de mão de obra técnica barata e o Ensino Particular. Assim, a obrigatoriedade do Ensino Técnico impôs barreiras no acesso dos mais pobres ao Ensino Superior, pois com exceção do Colégio Pedro II, que mantinha o ensino propedêutico com preparação para o vestibular, as outras escolas pública ofereciam cursos técnicos, mas nem todos com a devida qualidade, seja pela falta de laboratórios para a formação profissional e até mesmo falta de professores. Assim, a rede particular, que antes se centrava nas escolas religiosas cresce e Educação passa a ser mercadoria.

Durante o processo de redemocratização, houve um grande esforço em tentar melhorar a Educação pública. Na Constituição de 1988, em seu art. 205, diz que:

A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

Entretanto, garantir o acesso à escola não é o mesmo que garantir Educação de qualidade, que prepare o cidadão e o trabalhador.

Se na Constituição de 1988 garantia a valorização do magistério, as emendas constitucionais posteriores só serviram para diminuir os direitos destes profissionais.

V — valorização dos profissionais do ensino, garantido, na forma da lei, plano de carreira para o magistério público, com piso salarial profissional e ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos, assegurado regime jurídico único para todas as instituições mantidas pela União; (texto original de 1988)

V — valorização dos profissionais do ensino, garantidos, na forma da lei, planos de carreira para o magistério público, com piso salarial profissional e ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

V — valorização dos profissionais da educação escolar, garantidos, na forma da lei, planos de carreira, com ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos, aos das redes públicas; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)

(…)

VIII — piso salarial profissional nacional para os profissionais da educação escolar pública, nos termos de lei federal. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)

Houve a expansão da rede de escolas, mas, também, houve um processo de desvalorização da escola pública e da profissão do magistério. Enquanto a porta da escola pública foi aberta para os pobres, a antiga qualidade do Ensino público foi diminuindo.

Nos anos 1990, com o predomínio da ideologia neoliberal, há uma invasão do terceiro setor na Educação. As verbas que deveriam ser empregadas nas escolas públicas foram para os bolsos de ONGs e Fundações Privadas que despejavam projetos que resultaram em ainda maior exclusão social.

Anos sem investimento direto, levaram ao caos educacional. A Educação deixou de ser medida pela sua qualidade e ao contrário de produção de conhecimento passou a tratar os alunos como números. Assim, as verbas foram determinadas pela aprovação e fluxo de alunos. As políticas de aprovação automática e aceleração escolar promoviam o fluxo constantes sem o necessário aprendizados. A partir desta lógica mercadológica, a escola recebia alunos, como matéria prima e entregava em um determinado prazo.

Em 2002, com a ascensão do PT ao Planalto, havia uma esperança de que a Educação poderia voltar a ser uma prioridade. Entretanto, os interesses privados ainda continuaram à frente do interesse público. Ao invés de se investir na valorização e ampliação de uma Educação Pública, Gratuita e de Qualidade, o Estado usou a verba pública para fomentar bolsas em Instituições Privadas. Enquanto as escolas públicas ficaram na penumbra, os holofotes apontavam para as Escolas e Universidades Privadas que expandiram seus lucros através de programas como o PROUNI e o PRONATEC.

Assim, apesar de uma real expansão da escolaridade média e uma democratização do acesso ao Ensino Superior, inclusive com o crescimento das Universidades Públicas, os Governos do PT não pensaram na qualidade da Educação. Se a LDB e a constituição falavam em Educação para a cidadania, que já não significa muito, o discurso oficial do governo manteve-se na empregabilidade e não na formação humana. O discurso desenvolvimentista, não pensava na construção de uma população com consciência crítica. Como resultado, apesar do aumento da escolaridade, a expansão da ignorância foi muito maior.

No Governo Dilma há o maior corte de verbas da Educação da História até 2019. As greves de profissionais de Educação e os movimentos de Estudantes, como as ocupações de Escolas se espalharam pelo país.

https://www.aosfatos.org/noticias/tabela-que-compara-cortes-na-educacao-subestima-valor-bloqueado-por-bolsonaro/

A partir do Golpe de 2016, aumentam os ataques à educação. As verbas destinadas ao Ensino Público foram minguando. E os discursos de extrema direita, que elegeriam um presidente em 2018, atacavam o sistema escolar e principalmente os professores.

https://www.ocafezinho.com/2020/01/31/governo-central-registra-deficit-primario-de-r-951-bilhoes/

A tão alardeada “Doutrinação” escolar foi um pretexto para o corte de verbas para as universidades públicas e para criminalizar as lutas de profissionais de Educação e Estudantes por uma Educação Pública de Qualidade.

Não bastasse a miséria planejada destinada à Educação, a pandemia pôs novamente a Educação no lugar de inimigo público número 1.

Se ninguém valorizava a Educação, há inúmeros novos “especialistas” em Educação pregando a volta imediata das aulas presenciais como emergencial. Educação passa a ser serviço essencial, pois querem ver novamente as escolas públicas lotadas de alunos, não importando o aumento drástico do contágio que estas aglomerações de crianças e adolescentes pode produzir.

Enquanto se reclama de que a Educação remota não abarca todos os estudantes pela falta de estrutura tecnológica e da pobreza das famílias dos alunos das escolas públicas, o governo federal diminui o orçamento da educação e deixa de aplicar o orçamento na área.

Se houve um apagão educacional, a culpa não foi dos professores que tiveram que se adaptar às novas tecnologias e bancar dos seus baixos salário recursos para a nova modalidade de ensino. Sim do Estado que não investiu em tecnologia e acesso à internet para a população brasileira.

Se não podemos ter aulas presenciais não é culpa dos educadores, que buscam preservar as vidas evitando a aglomeração nas unidades escolares. A culpa foi do Estado, que com a má gestão da pandemia, a propaganda negacionista e a política necrófila, permitiu a maior proliferação do vírus e obstáculos para a compra e produção de vacinas.

O papel dos Educadores agora é educar para vida. E preservar a vida com o distanciamento social é mais importante que a socialização que a Escola presencial promove. Que se invista no combate à pandemia para que a Escola volte a receber de braços abertos os estudantes. E que se valorize os profissionais de Educação e que a Educação seja cada vez mais crítica e humanizada para que as nova gerações não caiam na balela dos negacionistas e falastrões da nova direita.

Bibliografia:

COREICHA, Leonardo da Silva. A Psicologia Social e a Pedagogia do Oprimido: confluências entre Erich Fromm e Paulo Freire, contribuições à análise social e à Educação de Jovens e Adultos. São Gonçalo: Amazon, 2019. (Disponível em ebook)

PILETTI, Claudino. História da Educação no Brasil. 2ª ed. São Paulo: Ática, 1986.

ROMANELLI, Otaíza de Oliveira. História da Educação no Brasil. 17ª ed. Petrópolis: Vozes, 1978.

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Leonardo Coreicha
Revista Marginália

Educador, historiador, advogado e, principalmente, um proletário lutando contra a opressão capitalista.