Leonardo Coreicha
Revista Marginália
4 min readDec 16, 2020

Nerd ou Pop?

Como a cultura pop se apropriou da nomenclatura Nerd

A primeira vez que vi a palavra nerd foi no nome de um filme: A vingança dos Nerds, que assisti algumas vezes na sessão da tarde, no início dos anos 90. Nesta época, ser CDF (Nerd não era um termo usado no Brasil, neste período), assim como no filme era motivo de bullying (que ainda não tinha este nome nestas bandas também).

Elenco de A vingança dos Nerds

Nerd, conceituando, era o estudante que se dedicava mais aos estudos do que à vida social. Eram tidos como tímidos e excêntricos e aficionados por livros, revistas em quadrinhos e filmes de ficção científica. Fugiam do padrão de jovens rebeldes e vigorosos, por não se dedicarem ao esporte ou ao padrão de beleza hollywoodiano.

Nos anos 90, ninguém se autointitularia como nerd. Era mais fácil as pessoas tentarem disfarçar e tentarem se enturmar ou, pelo menos, fugir das constantes perturbações que a o título de CDF poderiam lhe trazer. Fora o bullying, que quase sempre envolvia violência física neste período.

Mas, o mais importante era o fato de que os nerds não eram idiotas e sim inteligentes. O estudo e a concentração nas ciências tornavam os nerds da escola em universitários, enquanto os populares valentões estacionavam na Educação Básica. Com o avanço tecnológico e a constante necessidade de mão de obra especializada, os nerds passaram a ter uma certa importância social, fazendo com que muitos passassem a ter orgulho da denominação que antes era pejorativa.

Nova visão dos nerd em The Big Bang Theory

Entretanto, por conta do status que o Vale do Silício concedeu aos nerds dos anos 2000, uma grande onda de autodenominados nerds apareceu. Mas, o gosto pelos estudos, a inteligência e a carreira intelectual não acompanhou estes novos nerds.

Até poderia se chamar de nerd os verdadeiros geeks, que seriam nerds mais voltados para a tecnologia, e com o avanço da redes sociais e dos jogos multiplayers, seriam, teoricamente mais sociáveis que os velhos nerds, que ficavam presos aos livros ou computadores desconectados de tudo.

O ponto menos marcante dos nerds, que era o que faziam em seu tempo de lazer, se tornou o ponto central da dita “cultura nerd” dos anos 2010. Isto é, passou a se denominar nerd, tão somente, os amantes de ficção científica, quadrinhos, games e fantasia. O fã é o suprassumo da dita “cultura nerd”.

Filas na entrada da Comic-Con, San Diego, Califórnia, 2019.

Enquanto os nerd dos anos 80–90 curtiam o underground literário da ficção científica e dos quadrinhos, comentando entre si as qualidades intelectuais dos roteiristas e as possibilidades fantásticas e até realistas envolvidas nas criações artísticas. Os novos pseudo-nerds criaram um imenso fã clube preconceituoso e desprovido de inteligência, que prima tão somente pela verossimilhança com padrões assimilados sem nenhuma crítica.

Assim, a indústria cultural assimilou a cultura underground dos nerds e tornou-a uma nova Cultura Pop.

A cultura Pop é o “melting pot” de produtos da indústria do entretenimento voltado para o público em geral. Logo, não é necessário inteligência para consumir os seus subprodutos. Filmes, séries, quadrinhos e jogos saem da fornada todos os anos para matar a fome de fãs que as recebem quase acriticamente. A ficção científica, a literatura de fantasia e as HQs ganham o status de cultura de massa, perdendo aos poucos o brio intelectual que as tornavam preciosas para a intelectualidade isolada nos antigos redutos nerds.

A comunidade de fãs dessa cultura pop está recheada de trolls. Assim, o que antes acontecia entre as torcidas organizadas e seguidores de popstars, o termo fanático se torna preciso. Os bullies (valentões) que sempre maltrataram os nerds, hoje se denominam nerds e entram nos debates sobre a “cultura nerd” para destilar preconceitos e impor seus padrões.

Não é à toa que os vilões são adorados, que os fãs se identifiquem com os personagens que deveriam ser odiados. Ao mesmo tempo em que as mensagens principais, de cunho político progressista, que estavam embutidas nas narrativas da maioria das obras “nerds” clássicas são obliteradas pelo glamour televisivo ou cinematográfico. Ou seja, não se vê a crítica ao racismo em X-Men ou a crítica ao Fascismo e ao Imperialismo em Star Wars. Logo, estes fãs não compreendem a ironia por trás de The Boys, e veriam os supers como verdadeiros heróis.

Uma heroína nazista e um super-herói americano… The Boys

Então, hoje surge uma grande crítica aos nerds. Mas, principalmente, porque se atribuiu aos fãs da cultura pop a alcunha de Nerd. Se para ser nerd basta assistir os filmes da Marvel e da DC, acompanhar algumas séries e jogar os joguinhos, para que estudar?

Haters e trolls, estes são os verdadeiros nomes que deveriam se atribuídos aos pseudo-nerds espalhados pela internet e pelas convenções de cultura pop. Se esses termos já existem, porque usar o termo nerd ou Cultura nerd para criticar os neofascistas fãs da cultura pop?

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Leonardo Coreicha
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Written by Leonardo Coreicha

Educador, historiador, advogado e, principalmente, um proletário lutando contra a opressão capitalista.

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