Notas sobre a psicologia do discurso fascista — ou simplesmente a impossibilidade do dialogo.

Alberto Luiz
Revista Marginália
9 min readFeb 3, 2021

A cada dia que se arrasta nessa versão menos engraçada de “jumanji” que é nosso cotidiano falar nas redes está se tornando impraticável. Entre memes de gatos ou de Deise do Tombo encontramos uma enxurrada de irracionalidade propagada aos sete ventos. Uma questão paira sobre todas essas coisas: realmente é o fim da possibilidade de diálogo? Todos se tornaram irracionais? O que está acontecendo com as pessoas?

Illustrator: Nivesh Rawatlal

“A cadela do fascismo sempre está no cio.” Essa frase, geralmente de autoria legada ao dramaturgo alemão Bertolt Brecht, é capaz de aludir, como poucas expressões e com tanta precisão, o caráter aparentemente atemporal de um conjunto de ideologias que conspiram contra a liberdade, a legalidade e a diversidade. Não é novidade que a democracia como um sistema político necessita intransigentemente do acordo consciente dos seus participantes de respeitar as regras do jogo democrático. Ou seja, a democracia é um sistema de coalizão de divergências dentro de um limite constitucional de respeito e dialogo. E sua fragilidade também reside nessa necessidade. Na última década as livrarias estampavam títulos como: o povo contra a democracia, como as democracias morrem, crise na democracia e tantos outros.

Não é novidade que as dúvidas sobre o estado de qualidade das democracias liberais em todo o globo se tornaram mais evidentes em 2016 de com a eleição de Donald Trump. É com eleição do republicano a casa branca que a extrema-direita ganhou os holofotes e projeção global. E, com interferência direta da mente por trás da campanha de Donald Trump a campanha do atual presidente da república invadiu a vida brasileira como nenhuma outra campanha eleitoral da história dessa controversa republica tenha alcançado. E, poderíamos passar tranquilamente inúmeras horas indicando o conjunto de fatores políticos, socioeconômicos, históricos que catapultaram a figura de Bolsonaro de um caricato parlamentar ao comando da presidência da república.

Por mais tacanha e amadora que tenha parecido toda a campanha bolsonarista de 2018 fica da vez mais evidente que ela atendia um método, um modo operante que tinha como objetivo suscitar confusão, desinformação e alienação. O que não difere, a não ser pelas especificidades brasileiras do que se viu globalmente. Infelizmente demoramos a perceber que os novos fascistas não marcham com tanques, bandeiras em praça pública eles se utilizam do ambiente virtual e da irresponsável e hipócrita conduta das grandes empresas de social mídia de criar ambientes perfeitos para a dispersão de discursos de ódio, teorias conspiratórias e discursos antivacina. Mesmo que não seja o objetivo analisar o alcance dessas ferramentas vale destacar que as redes sociais, cito a exemplo: Facebook, Youtube e mensageiros com wathsap e telegrama têm responsabilidade direta pela difusão desse novo fascismo, e lucrar com eles.

Desde que a extrema-direita ganhou os holofotes no mundo e eles começaram a utilizar suas ferramentas de alienação por meio da propaganda ficou exposto à contradição final das redes é impossível se dialogar nas plataformas que foram criadas para o diálogo. Quando eu cometo o erro cabal de abrir os comentários em algumas reportagens, principalmente relacionados ao coronavírus, ou as vacinas lembro imediatamente do que disse Umberto Eco: “As redes sociais deram o direito à palavra a legiões de imbecis que, antes, só falavam nos bares, após um copo de vinho e não causavam nenhum mal para a coletividade” — Hoje eu entendo Eco.

Theodor W. Adorno (1903 -1969)

Entretanto, quando paro para pensar no comportamento das pessoas nas redes e nos jantares de família no natal onde sempre há uma certa pluralidade de níveis de escolaridade me pergunto nossa será que realmente são todos idiotas, alienados, imbecis ou fascista — Será que o tio Jorge, cara tão legal era sempre um imbecil fascista que resolveu sair dos esconderijos e marchar contra a democracia e contra os valores democráticos? — Bem, penso que é pouco provavel que 57 milhões de brasileiros que deram consecutivas vitorias ao campo progressista tenha em uma única hora, abraçado o fascismo. Deve haver outras circunstâncias para esse resultado.

Lendo por esses dias um ótimo livro chamado: Ensaios sobre a psicologia social e psicanálise (1977) de autoria de Theodor W.Adorno, exclusivamente a parte dois do livro onde ele trabalha o método e a psicologia por trás dos discursos fascistas muita coisa se clareou sobre as possibilidades do “porque” tio Jorge fica compartilhando discurso antivacina no seu facebook e no “zap” da família.

Segundo Adorno o discurso fascista tem um componente psicológico que atua em duas camadas ao mesmo tempo. Simultaneamente ele atinge a insatisfação do público, por alguma questão social que é sensível como, por exemplo, desemprego em massa, violência, frustração política e a corrupção, por exemplo, Enquanto exalta algum pseudos “passado de ordem” que deve ser restaurado, ou tradições que devem ser conservadas. Adorno salienta que esses discursos não são pautados em uma racionalidade estrita onde de respeita as ideias de integridade das premissas logicas, e silogismo que é comum nos discursos onde o argumento deve vencer. Os agitadores dispõem seus discursos visando as estruturas inconscientes, sobre dispositivos emocionais que exaltam algum caráter emotivo no ouvinte. E, existe um motivo plenamente tático sobre essa abordagem estados emocionais desacerbados comprometem a racionalidade. Para conquistar as massas o agitador fascista deve comprometer a capacidade racional através de um estado emocional caótico: indignação, revolta, medo etc.

Não apenas a técnica oratória dos demagogos fascistas é de uma natureza ilógica e pseudoemocinal; mas do que isso: programas políticos positivos, postulados, ou quais quer ideias politicas concretas desempenham um papel menor quando comparados aos estímulos psicológicos direcionados à audiência. (ADORNO, 2007, p. 138)

Não é incomum que nos discursos totalizantes da extrema-direita evoquem em seus discursos questões de ordem, dever e resiliência contra o status quo da sociedade, normalmente acusado-a de degenerada, decadente e etc. O discurso se prende a algumas características do momento para oferecer aos que escutam a impressão que encontraram o inimigo a ser combatido: Os judeus, os ciganos, os comunistas, a política e os LGBTQ+ e etc. Como não lembrar dos discursos de Enéas Carneiro, figura caricata da política nacional que tem no núcleo de suas falas a luta contra as figuras nefastas da moral, um intelectualismo exacerbado para proclamar as massas a luta pela ordem e pela decência. Não é, à toa, que atual extrema-direita brasileira tenha certos orgasmos quando ouve ou vídeos de Enéas Carneiro.

Há também nesse componente emocional uma disposição messiânica e paternal é comum que os simpatizantes transfiram para a figura do “líder” os traços emocionais que aproximam a figura de poder a de um “grande pai” que estará sempre preocupado em proteger a pátria como se fosse seus filhos. E, dessa forma o discurso possibilita as pessoas um vinculo afetivo com os agitadores que não partilha de um elo racional. Ao ponto que o discurso inflamado nas redes toma o status de confissão de fé, verdade, ou salvação diante das mentiras do inimigo gestado no meio do próprio povo. De uma forma um tanto exótica o agitador fascista tende a expressar seus próprios defeitos e limitações. Uma forma de diluir certas barreiras e criar proximidade entre o imaginário e o afeto das massas.Diz Adorno:

O agitador fascista é usualmente um exímio vendedor dos seus defeitos psicológicos. Isso só é possível devido a uma similaridade estrutural geral entre seguidores e líder, e o objetivo da propaganda é estabelecer um acordo entre eles, em vez de dirigir a audiência quaisquer ideias ou emoções que não fossem dos próprios seguidores desde o começo. (ADORNO, 2007, p. 144)

A partir das observações feita por Adorno sobre esses componentes emocionais que são apresentados como base dos discursos fascistas podemos a um de tantos elementos que podem lançar luz sobre a impossibilidade do diálogo atual entre as pessoas. Algumas pessoas que são cooptadas pelo discurso histérico da extrema-direita, tomam o discurso pelo mais absurdo que seja como uma questão afetuosa, negar aquele discurso representa a fratura com um sentimento de pertencimento, de elo afetivo com uma ideia de verdade, de justiça. Elas aceitam o limite do irracional, pois, o discurso para elas não necessita de uma realidade material, ela só precisa do vinculo afetivo com a figura do agitador. — “Por que foram eles que se levantaram para lutar contra tudo o que estava de errado na sociedade”.

https://twitter.com/BCartuns

Ou seja, não é falta de informação, não é burrice é uma disposição alienante que está no nucleo do discurso fascista. Tio Jorge talvez não faz a mínima ideia do que é fascismo, ou até mesmo nunca tenha lido Adorno. Mas ele responde aos dispositivos emocionais que estão para lá de qualquer racionalidade silogistica. O que levou as pessoas as ruas em 2016 não foi, a justificativa que todos ali eram fascistas, nazi, reacionários e etc. Sim, esses também estavam no meio da multidão, alguns deles até nos caminhões gritando palavras de ordem, outros em campanha política. Mas eles não correspondiam a totalidade da população. Os dispositivos emocionais que nasceram e foram manobrados pela extrema-direita de 2016 até o momento corresponde para algumas pessoas como um valor de verdade. E, contra esse dispositivo de fé a razão tende a ser inútil. O que podemos fazer?

Um dos caminhos é a natural faceta de autodestruição desses discursos. Não é dificio que um discurso que necessita fabricar inimigos a todo instante uma hora não se volte contra suas proprias bases. Adorno compreende também esse caracter destrutivo dos agitadores, eles desejam destruir o mundo, mas se consomem no processo. Não é de se surpreender que nos primeiros seis meses de governo bolsonaro eles já tinham queimado todo o capital politico, e dois anos de atuação o Brasil está ingovernavel, a beira do caos infelizmente.

Neste ponto, deve-se prestar atenção à destrutividade como fundamento psicológico do espirito fascista. Os programas são abstratos e vagos, as satisfações são espúrias e ilusórias, porque a promessa expressa pela oratória fascista nada mais é do que a própria destruição. Não é acidental que todos os agitadores fascistas insistam na iminência de catástrofes de alguma espécie. Enquanto advertem de perigos iminentes, eles e seus seguidores se excitam com a ideia da ruína inevitável, sem se quer diferenciar claramente entre a destruição dos seus inimigos e de si mesmos. (ADORNO, 2007, pág. 152)

O segundo caminho que se apresenta para a contenção da destutividade desse discurso é a legalidade. E, nesse quesito nos também temos outros problemas como nação anteriores ao bolsonarismo. A democracia não é o governo onde vale tudo, pelo contrario é o governo dos limites, da legalidade, do ajuste para a garantia. A instituições devem responder a fratura do Estado de direito com o rigor da lei. Como por exemplo recente reagil as instituições do EUA, a invasão do Capitolio por reacionarios de todas as facções incentivadas e bancadas por Donald Trump. Não resta duvida que esses são os tempos de teste para os estados democraticos.

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Alberto Luiz
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Doutorando em filosofia pela UFU, ouvinte de música indie. Um colecionador de histórias cotidianas. Escrevendo sobre filosofia, arte, e outros devaneios.