Novos capítulos da Guerra Cultural

Bruno Oliveira
Revista Marginália
4 min readFeb 7, 2020

Em política não há coincidências”, já dizia Tancredo Neves. Após o tenebroso e polêmico vídeo lançado há alguns dias, com alusões ao nazismo alemão e repercussão internacional, o ex-secretário da cultura, Roberto Alvim, disse que a confusão não passou de um terrível “coincidência retórica”.

Após 1 ano, o governo Bolsonarista escorrega e mostra sua verdadeira face (pelo menos para aqueles que lutavam em não vê-la)

Considerando que o lema do atual governo é “Brasil acima de todos” (uma referência ao “Alemanha acima de tudo”, proferido pelos nazistas alemães) e que o atual presidente tece diversas homenagens ao período da ditadura brasileira, a utilização de táticas e ações nazistas não é nenhuma novidade. Mas talvez o que tenha causado tanta indignação tenha sido o fato de, desta vez, ter sido tão explícito. Por mais que Alvim tente dizer que não sabia da referência, a própria semiótica da gravação diz o contrário (vide imagem abaixo).

A semiótica autoritária de Roberto Alvim

O próprio discurso é uma cópia do discurso de Goebbels (Ministro de Propaganda da Alemanha nazista):

O discurso do alemão era “A arte alemã da próxima década será heroica, será ferreamente romântica, será objetiva e livre de sentimentalismo, será nacional com grande páthos e igualmente imperativa e vinculante, ou então não será nada”.

O de Alvim: “A arte brasileira da próxima década será heroica e será nacional, será dotada de grande capacidade de envolvimento emocional, e será igualmente imperativa, posto que profundamente vinculada às aspirações urgentes do nosso povo — ou então não será nada”. Tirem suas conclusões.

Alvim x Goebbels

Mais do que a referência, o que nos importa também é o que foi dito sobre a suposta “nova arte nacional”. Além da frase polêmica, ele também diz que esta arte será “enraizada na nobreza de nossos mitos fundantes. A pátria, a família, a coragem do povo e sua profunda ligação com Deus amparam nossas ações na criação de políticas públicas. As virtudes da fé, da lealdade, do autossacrifício e da luta contra o mal serão alçadas ao território sagrado das obras de arte”. Sendo um pouco mais direto, haverá perseguição e cancelamento a quem pensar diferente disso — uma verdadeira guerra cultural.

André Dahmer — malvados (quando algo foge por um instante…)

E não é a primeira vez que isso acontece, a guerra cultural já foi anunciada há um tempo — inclusive já foi artigo desta revista: a repulsa do Bolsonarismo pela arte. Não foi um ato isolado, foi uma política de governo. O governo pode ter demitido o seu capataz, mas as ideias continuam lá, e vão ser executados independente de quem ocupar esta cadeira. Se o Bolsonarismo tenta esconder a origem espúria da frase, ainda assim endossa o seu conteúdo.

Em tempo, outro fato que foi bastante comentado no vídeo, foi o uso da ópera “Prelúdio a Lohengrin”, de Richard Wagner. De fato, esta parece ter sido uma das músicas preferidas de Adolf Hitler, e isso se deve a alguns motivos: (i) Wagner era antissemita, não gostava de judeus, especialmente no mundo da arte, e de forma indireta colocava traços judaicos nos vilões de sua ópera para transmitir a ideia de que judeus faziam mal a sociedade; (ii) a obra de Wagner tinha uma estética tida como extremamente alemã, fazia referências a um passado glorioso, a heróis nórdicos, que evocava o espírito nacional; e (iii) defendia uma arte total, que traria a Alemanha gloriosa do passado, quase como um percussor do “germanismo ariano”.

Lohengrin foi a 3° ópera de Wagner (e não a última, como foi falada por Roberto Alvim no último vídeo). A ópera que, a princípio, marca a conversão de Wagner ao cristianismo seria Parsifal (esta sim, a última)

Mas Wagner não era nazista (morreu antes da morte de Hitler), mas defendia alguns dos princípios que foram incorporados pelo movimento alemão. Não há o que se dizer da qualidade musical de suas obras e da importância que teve para a música mundial. Entretanto, a “decadência de Wagner” é definida e retratada por um de seus melhores amigos (que logo viraria inimigo) Friedrich Nietzsche [1]: “Wagner condescendeu passo a passo para tudo o que eu desprezo — até para o antissemitismo”.

Não sejamos inocentes a ponto de achar que a demissão de Alvim foi um basta as ideias nazistas. Goebbels continuará frequentando Brasília — e provavelmente ao som de Wagner. A guerra cultural continua.

Guerra Cultural é a luta pelo domínio da identidade nacional

E quanto a provável substituta, talvez a TV Pirata tenha sido profética:

Regina Duarte ficou famosa na novela “Rainha da Sucata”

Referências

[1] Friedrich Nietzsche. “Caso Wagner”. 1888.

Colabore com as mídias independentes.
Siga a Marginália no Twitter, Facebook e Instagram.

--

--

Bruno Oliveira
Revista Marginália

Auditor, escritor, leitor e flanador. Mestrando em TI, tropecei na bolsa de valores. Acredito nas estrelas, não nos astros. Resenho pessoas e o tempo presente.