A Ignorância versus Paulo Freire

Leonardo Coreicha
Revista Marginália
4 min readJun 4, 2019

Leonardo Coreicha (Educador, historiador e estudante de Direito, iniciando aqui como escritor e crítico social)

Faixa em protesto pró-impeachment em Brasília, 2015

Os cortes de verbas contra as Universidades, os Institutos Federais e o Colégio Pedro II fazem parte de uma política de Estado que se sustenta numa ideologia anti-intelectualista que vem crescendo há muitos anos, e agora se mostra na sua forma mais desenvolvida, no bolsonarismo. Antes mesmo de alcançar o poder estatal e ter controle sobre o Ministério da Educação, os ideólogos da nova direita brasileira já promoviam ataques diretos à educação pública e à pesquisa científica.

O projeto unificador destes ideólogos, inicialmente, foi o “Escola sem Partido”, que deu origem a diversos projetos de lei que previam a censura a professores, acusando-os de “doutrinadores comunistas”. Este projeto foi carro-chefe da campanha de diversos deputados da base de apoio de Bolsonaro e figurou como um de seus pontos de campanha. A perseguição, com direito a filmagens não autorizadas de docentes, foi amplamente estimulada por políticos, incluindo o próprio presidente, que divulgou em seu Twitter um vídeo de uma afiliada ao seu partido denunciado uma professora “doutrinadora” que dizia que Olavo de Carvalho (astrólogo e ideólogo-chefe da nova direita) era um idiota.

Percebe-se que esta ideologia anti-intelectualista busca razões para promover o desmonte e destruição da educação pública e, principalmente, das ciências humanas. Criando como subterfúgio, além da doutrinação comunista feita pelos professores, uma suposta baixa qualidade de ensino devido, principalmente, aos métodos “comunistas” empregados, sob a “tutela ideológica” de Paulo Freire.

Assim, no mundo destes ideólogos, todas as mazelas da educação pública seriam consequência da aplicação do “método Paulo Freire” pelo PT. A violência escolar, o desrespeito aos professores, a indisciplina e o analfabetismo funcional não passariam de sequelas deste método doutrinário, que faria parte do “marxismo cultural” (doutrina imaginária que comportaria todo o pensamento pós-estruturalista e gramsciano).

Inicia-se uma cruzada contra Paulo Freire. Inclusive com direito a projeto da deputada Caroline de Toni, do PSL de Santa Catarina, para revogar o título de Patrono da Educação Brasileira que lhe foi outorgado pela Lei nº 12.612 de 2012.

Paulo Freire era um professor de português, formado em Direito pela Universidade do Recife (pois, não havia a possibilidade de formação em licenciaturas na primeira metade do século XX) e Doutor em Filosofia e História da Educação pela mesma Universidade. Um pouco depois, torna-se professor e livre docente por esta mesma Universidade.

Após ser perseguido, indiciado e preso, em 1964, Paulo Freire se exila na Bolívia. Mas após o golpe naquele país, se muda para o Chile, de onde é convidado para ser consultor da Unesco e onde escreveu suas obras mais lidas: Educação como prática de liberdade (1965) e A pedagogia do oprimido (1967).

De abril de 1969 a fevereiro de 1970 lecionou na Universidade de Harvard como professor convidado. E, ao sair dos Estados Unidos, foi convidado como consultor, professor e palestrante para vários países da Europa, Ásia e África. Na África, influenciou no processo de alfabetização dos países recém-libertos do jugo colonial, como Cabo Verde e Guiné-Bissau.

Freire se tornou célebre na Educação em 1963, quando era Conselheiro de Educação no Recife e foi responsável pelo projeto de Alfabetização em Angicos. Neste projeto, em 45 cinco dias, foram alfabetizados 400 trabalhadores rurais. Com o sucesso de Angicos, o presidente João Goulart o convidou para levar seu projeto para o restante do Brasil. Assim, para o ano de 1964 eram previstos 40 mil círculos de leitura, onde seriam alfabetizados pelo menos 2 milhões de pessoas.

O “método de Paulo Freire”, como ficou conhecida a metodologia empregada nos círculos de cultura, era simples. Por isso, ele foi capaz de alfabetizar adultos em tão pouco tempo. Entretanto, o método estava longe de ser simplório. A construção do conhecimento era posta como uma relação dialética, partindo da realidade para a construção de conceitos abstratos, que retornavam à realidade, formando novo conhecimento.

Em suma, o método partia das discussões sobre a realidade dos alfabetizandos (seu cotidiano e, principalmente, suas relações de trabalho)nos círculos de Cultura (nome pela qual era chamado espaço de aprendizado mediado por um professor), construindo palavras geradoras das quais se usavam as sílabas para criar outras palavras, sempre contextualizando-as com o debate. Pois, o alfabetizando, adulto, já conhecia a realidade em que vivia, porém ainda não dominava o código para transmutar seus conhecimentos em palavras escritas.

Alfabetizar, para Freire, era mais que ensinar o código da língua escrita. Era ensinar a ler o mundo. Abria-se, com o diálogo, a capacidade do educando de criticar a realidade. Sair da ignorância é saber que além de ler a realidade, pode-se transformá-la. Este fator transformador da educação fez de Paulo Freire um subversivo para a Ditadura Militar.

Se hoje julgam Paulo Freire com subversivo e o tornam alvo de difamação, se deve ao fato de que sua obra ainda é viva e necessária para libertar nosso povo da ignorância.

Referências Bibliográficas:

COREICHA, Leonardo da Silva. A Psicologia Social e a Pedagogia do Oprimido: confluências entre Erich Fromm e Paulo Freire, contribuições à análise social e à Educação de Jovens e Adultos. São Gonçalo: Amazon, 2019. (Disponível em ebook)

GADOTTI, Moacir. Paulo Freire: uma Biobibliografia. São Paulo: Cortez/Instituto Paulo Freire, 1996.

FREIRE, Paulo. Educação como Prática de Liberdade, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980.

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Leonardo Coreicha
Revista Marginália

Educador, historiador, advogado e, principalmente, um proletário lutando contra a opressão capitalista.