estupro. culposo.
tem dias que a sociedade me obriga a escrever.
Não importa quem: denúncia de estupro.
Sério, não importa. Ela tem provas. Provas substanciais, provas inclusive biológicas (digo: esperma).
Ela tem provas.
Sério, não importa.
Ela tem provas e, com base nisso, judicializa o estupro que sofreu. Não parece, mas a justiça brasileira tem um tipo penal para isso.
De acordo com o Código Penal Brasileiro em seu artigo 213 (na redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009), estupro é: constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso.
O que quer dizer: dá cadeia.
Ou deveria. Pois é.
Um processo criminal não é simples — não tem como ser. São duas partes e, via de regra, um objeto lesado muito delicado.
Quando é um estupro, o objeto lesado é uma pessoa. Geralmente, uma mulher. A integridade física está em jogo, não existe mais.
É preciso manter em mente, sempre, que existem procedimentos em qualquer processo: a justiça não é feita da cabeça de um juiz, mas, antes, é realizada por meio de uma série de protocolos cuja maior pretensão é a isenção — ainda que de mentirinha — daquele que julga.
O Brasil ocupa o 5º lugar no ranking mundial de Feminicídio (ONU-Direitos Humanos) e as maiores vítimas do feminicídio são negras e jovens, com idade entre 18 e 30 anos (UOL Atualidades- 2020).
A denúncia de estupro, embasada por provas, dá ensejo a um processo judicial. No dia da audiência, alguém sofre assédio moral. Violência psicológica. Ninguém deveria sofrer desses males numa corte judicial — onde a JUSTIÇA é a ordem do dia.
Quem sofreu foi a vítima.
Mariana, estuprada, foi exposta, foi violada, foi acusada — na sala em que seu estuprador deveria, em tese, confrontar as provas da violação que fez ao corpo virgem.
A justiça brasileira é volúvel: ela está sempre do lado que atende aqueles que, invariavelmente, detém o poder político. Os direitos, a pretensão de isenção, os procedimentos foram todos violados a partir do momento em que o juiz ouve a acusação assumir o papel de inquisição e oferece, apenas,
um copo d'água.
O estupro, aquele com provas e tudo, acabou tendo uma excludente de tipificação — não é bem que o moço não teve intenção de estuprar, mas a moça não é uma vítima confiável, isto é, não se pode dizer que ela estava realmente fora de si ou sem condições para dar o "sim" necessário antes de qualquer relação sexual.
A história do estupro culposo, veiculada de forma errônea por um jornal, apaga a verdadeira questão que alimenta o absurdo desse caso: o descaso da justiça frente àquela que deveria ser, no mínimo, tratada com zelo e igualdade. Sem méritos morais.
O papel do juiz é garantir, também, a racionalidade que permite a boa aplicação de direitos fundamentais: como garantias judiciais, dignidade e direito ao bom processo.
Não importa o que aconteça, existem dois gritantes erros de premissa:
- Ninguém mete em ninguém sem um "sim" explícito. — coisa que não foi argumentada pela defesa do acusado em momento algum;
- O comportamento de qualquer juiz é além da decisão: é preciso garantir os direitos de todos os lados, durante e depois do processo, para que se tenha de fato a justiça. — e nisso, vale dizer, não cabe violência psicológica dentro de audiência.
A Revista Marginália repudia o que aconteceu, hoje, no Brasil. O que acontece todos os dias.
Eu, Tayara, autora desse texto, em choque, escrevo em linhas breves um sentimento indescritível de insegurança, revolta, desolação e medo.
"Estupro culposo" — eu disse ao meu pai, também formado em direito
Não — ele me respondeu, sem ter acompanhado as notícias do dia
Sim, quer ver a notícia?
Não. Eu tenho duas filhas.