Fascismo à brasileira

Leonardo Coreicha
Revista Marginália
7 min readMar 26, 2020

O partido fascista é a contrapartida do “Bando Decembrista” de Luis Bonaparte. Sua composição social: desclassificados de todas as classes, da nobreza, da burguesia, da pequena-burguesia urbana, do campesinato, do operariado.

— August Thalheimer

Dida Sampaio/Estadão Conteúdo — 10.5.2019

Os analistas políticos se alarmam contra o uso do adjetivo fascista para definir algumas posições políticas contemporâneas. Mas, não faltam fatos que comprovam o caráter fascista de governos instaurados sob a égide da nova direita conservadora (De Trump a Bolsonaro) e dos movimentos de extrema direita que se espalham pelo mundo.

Entretanto, faremos o esforço de definir o fascismo e a suas novas acepções.

A tendência dos historiadores é limitar o fascismo ao seu contexto histórico, definido-o como movimento único. Assim, como Leandro Konder, tentam não extrapolar o conceito de fascismo para outros movimentos autoritários que surgiram posteriormente.

Leandro Konder, no seu clássico livro “Introdução ao Fascismo” define-o desta forma:

O fascismo é uma tendência que surge na fase imperialista do capitalismo, que procura se fortalecer nas condições de implantação do capitalismo monopolista de Estado, exprimindo-se através de uma política favorável à crescente concentração do capital; é um movimento político de conteúdo social conservador, que se disfarça sob uma máscara “modernizadora”, guiado pela ideologia de um pragmatismo radical, servindo-se de mitos irracionalistas e conciliando-os com procedimento racionalistas-formais de tipo manipulatório. O fascismo é um movimento chauvinistas, antiliberal, antidemocrático, antissocialista, anti-operário. Seu crescimento num país pressupõe condições históricas especiais, pressupõe uma preparação reacionária que tenha sido capaz de minar as bases das forças potencialmente antifascistas (enfraquecendo-lhes a influência junto às massas); e pressupõe também as condições da chamada sociedade de massas de consumo dirigido, bem como a existência nele de um certo nível de fusão do capital bancário com o capital industrial, isto é, a existência do capital financeiro. (KONDER, 2009, P. 53)

Umberto Eco percebe que sob a alcunha de fascismo se encaixam em diversas ideologias autoritárias, que se baseiam em discursos de extrema direita, cujo traço comum é uma mitologia unificadora, seja nacionalista, racista ou anticomunista. Assim, em sua analise sobre o Ur-fascismo (movimento fascista contemporâneo na Itália), ele abrange o conceito de fascismo abarcando não só o movimento do início do século XX, como também a extrema direita atual, que se vale das lições fascistas.

O termo “fascismo” adapta-se a tudo porque é possível eliminar de um regime fascista um ou mais aspectos, e ele continuará sempre a ser reconhecido como fascista. Tirem do fascismo o imperialismo e teremos Franco ou Salazar; tirem o colonialismo e teremos o fascismo balcânico. Acrescentem ao fascismo italiano um anticapitalismo radical (que nunca fascinou Mussolini) e teremos Ezra Pound. Acrescentem o culto da mitologia céltica e o misticismo do Graal (completamente estranho ao fascismo oficial) e teremos um dos mais respeitados gurus fascistas, Julios Evola. (ECO, 1995. p. 10)

Mussolini iniciou o processo de construção ideológica do fascismo com uma miscelânea de mitos. Assim, o nacionalismo italiano nunca se tratou de proteção da pátria e sim de avanço do imperialismo italiano e expansão empresarial. O anticomunismo foi a forma de trazer a pequena burguesia assustada com a revolução russa para as fileiras do lumpemproletariado arregimentado pelo partido fascista.

Assim, Mussolini abriu as portas do inferno para que Hitler incluísse novos mitos para a construção do nazismo, um fascismo germânico, cujo mito central (a pureza da raça ariana) se baseou no misticismo oriental.

Franco e Salazar, ao não entrarem diretamente nos conflitos da Segunda Guerra Mundial, puderam manter seus regimes fascistas sob a proteção do capitalismo internacional até a década de 1970, tanto que não ultrapassem os limites impostos pelo imperialismo das outras potências.

O que diferencia estes governos das ditaduras que se espalharam pela América Latina são a base ideológica, e a forma peculiar de usá-la para tomar o poder político através da mobilização de milícias ou protestos populares. Mas, não quer dizer que entre os apoiadores destas ditaduras não havia fascistas, pois além de movimentos consolidados como os integralistas (que se mantém como grupo abertamente fascista até hoje), a pequena burguesia que organizou as Marchas da Família com Deus pela liberdade tinham todas as características fascistas listadas por Umberto Eco. Entretanto, a classe base destas ditaduras foi a grande burguesia, que rompeu com a ideologia democrática e assumiu o autoritarismo para garantir alta lucratividade sem a pressão do proletariado em crescente organização no campo e nas cidades.

O Duce italiano Benito Mussolini e o Führer alemão Adolf Hitler

Como foi dito em dois artigos de 2019, “O Dezoito Brumário de Jair Bolsonaro” e “O lumpemproletariado brasileiro”, a construção do governo Bolsonaro seguiu moldes mais similares ao fascismo do que as ditaduras anteriores. Encaixando-se no perfil de fascismo na análise de August Thalheimer, na qual o fascismo é um tipo de Bonapartismo, onde a ditadura da burguesia se ergue a partir da mobilização do lumpemproletariado e da pequena-burguesia em torno de um líder carismático, mas sob o comando do grande capital monopolista.

As críticas a caracterização do atual governo como fascista partem da premissa de que não há a militarização, nem a aplicação massiva da violência na prática. Entretanto, no discurso para a massa de seguidores fiéis, as palavras de ordem são violentas e direcionadas contra comunistas (reunindo neste conceito qualquer proposição política à esquerda do fascismo), contra minorias, mulheres e pobres (um elitismo da pequena burguesia esnobe). E o numero de militares e policiais nas hordas fascistas cresce em proporções geométricas, assim como a aliança com milícias e o apoio de militares amotinados (como o caso da “greve” de policiais do Ceara que teve apoio aberto do bolsonarismo). Assim sendo, o governo Bolsonaro poderiam muito bem se encaixar também nas características do fascismo elencadas por Umberto Eco.

O anti-intelectualismo e o desprezo pela ciência e cultura são marcas registradas de Bolsonaro e seus seguidores. Se seu ministro da cultura reproduzia discursos de Hitler, seu ministro da educação atacava universidade e debochava das críticas, o próprio presidente continua em sua cruzada contra o pensamento racional. Assim, em meio a pandemia mundial, o presidente participa de manifestações públicas e menospreza as recomendações das autoridades sanitárias para reforçar seu negacionismo.

Bolsonaro apertando a mão de seguidores após ter contato com sete infectados pelo Coronavírus.

Outra característica própria do fascismo à brasileira é a divisão desta extrema direita em diversos partidos. Bolsonaro, que vinha do PP (com passagens rápidas por outros partidos), partido de extrema direita — cujo principal representante era Paulo Maluf, se elegeu pelo nanico PSL — que arregimentava o pior da extrema extrema direita brasileira. Além do PSL, outros partidos nanicos lançaram candidatos que se alinharam ao discurso bolsonarista como PSC no Rio de Janeiro, com Wilson Witzel, e o Partido Novo em Minas Gerais, com Romeu Zema. Estes dois governadores eleitos implantam a agenda fascista em seus Estados, atacando a Educação, reproduzindo preconceitos e fomentando uma política de repressão militar (Witzel comemorou a execução de um criminoso com dancinha em plena ponte Rio-Niterói, e Zema cortou salários de professores e ofereceu 41% de aumento a policiais, os dois apoiaram Bolsonaro na campanha presidencial e reproduzem o discurso).

Witzel (PSC) discursando ao lado do fascista Rodrigo Amorim (PSL), que quebrou a placa em homenagem à vereadora Marielle Franco, assassinada no Rio de Janeiro.

Enquanto o novo Partido de Bolsonaro não consegue se legalizar, o PSL e o NOVO ainda são os partidos que mais congregam a extrema direita. Enquanto isso, uma boa parte dela se divide em partidos de aluguel, compartilhando o espaço com a bancada evangélica, que estrategicamente se alinha com o neofascismo brasileiro, com que coadunam nos princípios moralistas e obscurantistas.

Ricardo Salles (Partido NOVO, ministro do meio ambiente de Bolsonaro)

Se Leandro Konder caracteriza o fascismo como antiliberal, o fascismo à brasileira se caracteriza como “liberal na economia e conservador nos costumes”. Assim, cria um nacionalismo subserviente aos caprichos do imperialismo estadunidense e um desmonte do Estado contra uma falsa ameaça comunista. Se os mitos de Mussolini eram o nacionalismo e o populismo, na qual a burguesia se equiparava por nacionalidade aos trabalhadores italiano. Os mitos de Bolsonaro são o liberalismo e o moralismo, que equiparam a pequena burguesia e o lumpemproletariado à burguesia, fazendo com que seus seguidores se vejam como parte da elite e defendam o fim das política públicas para os pobres e padrões morais excludentes e preconceituosos.

Assim, em meio ao caos social devido a pandemia, o governo Bolsonaro se esforça em desmontar o Estado e entregar mais riquezas aos investidores estrangeiros que apostaram neste fascismo à brasileira.

Referências Bibliográficas

ECO, Umberto. Ur-Fascismo: Fascismo Eterno. The New York Review of
Books June 22, 1995 UR-FASCISM By Umberto Eco http://www.nybooks.com/articles/1856
Portuguese Version, Lara Kauss: https://www.academia.edu/38655139/Ur_-Fascismo_Fascismo_Eterno
23/03/2019

KONDER, Leandro. Introduçao ao Fascismo. Rio de Janeiro: Edições do Graal, 1977.

THALHEIMER, August. Sobre o Fascismo. Salvador: Centro de Estudos Victor Meyer, 2009.

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Leonardo Coreicha
Revista Marginália

Educador, historiador, advogado e, principalmente, um proletário lutando contra a opressão capitalista.