Novos capítulos da Guerra Cultural
“Em política não há coincidências”, já dizia Tancredo Neves. Após o tenebroso e polêmico vídeo lançado há alguns dias, com alusões ao nazismo alemão e repercussão internacional, o ex-secretário da cultura, Roberto Alvim, disse que a confusão não passou de um terrível “coincidência retórica”.
Considerando que o lema do atual governo é “Brasil acima de todos” (uma referência ao “Alemanha acima de tudo”, proferido pelos nazistas alemães) e que o atual presidente tece diversas homenagens ao período da ditadura brasileira, a utilização de táticas e ações nazistas não é nenhuma novidade. Mas talvez o que tenha causado tanta indignação tenha sido o fato de, desta vez, ter sido tão explícito. Por mais que Alvim tente dizer que não sabia da referência, a própria semiótica da gravação diz o contrário (vide imagem abaixo).
O próprio discurso é uma cópia do discurso de Goebbels (Ministro de Propaganda da Alemanha nazista):
O discurso do alemão era “A arte alemã da próxima década será heroica, será ferreamente romântica, será objetiva e livre de sentimentalismo, será nacional com grande páthos e igualmente imperativa e vinculante, ou então não será nada”.
O de Alvim: “A arte brasileira da próxima década será heroica e será nacional, será dotada de grande capacidade de envolvimento emocional, e será igualmente imperativa, posto que profundamente vinculada às aspirações urgentes do nosso povo — ou então não será nada”. Tirem suas conclusões.
Mais do que a referência, o que nos importa também é o que foi dito sobre a suposta “nova arte nacional”. Além da frase polêmica, ele também diz que esta arte será “enraizada na nobreza de nossos mitos fundantes. A pátria, a família, a coragem do povo e sua profunda ligação com Deus amparam nossas ações na criação de políticas públicas. As virtudes da fé, da lealdade, do autossacrifício e da luta contra o mal serão alçadas ao território sagrado das obras de arte”. Sendo um pouco mais direto, haverá perseguição e cancelamento a quem pensar diferente disso — uma verdadeira guerra cultural.
E não é a primeira vez que isso acontece, a guerra cultural já foi anunciada há um tempo — inclusive já foi artigo desta revista: a repulsa do Bolsonarismo pela arte. Não foi um ato isolado, foi uma política de governo. O governo pode ter demitido o seu capataz, mas as ideias continuam lá, e vão ser executados independente de quem ocupar esta cadeira. Se o Bolsonarismo tenta esconder a origem espúria da frase, ainda assim endossa o seu conteúdo.
Em tempo, outro fato que foi bastante comentado no vídeo, foi o uso da ópera “Prelúdio a Lohengrin”, de Richard Wagner. De fato, esta parece ter sido uma das músicas preferidas de Adolf Hitler, e isso se deve a alguns motivos: (i) Wagner era antissemita, não gostava de judeus, especialmente no mundo da arte, e de forma indireta colocava traços judaicos nos vilões de sua ópera para transmitir a ideia de que judeus faziam mal a sociedade; (ii) a obra de Wagner tinha uma estética tida como extremamente alemã, fazia referências a um passado glorioso, a heróis nórdicos, que evocava o espírito nacional; e (iii) defendia uma arte total, que traria a Alemanha gloriosa do passado, quase como um percussor do “germanismo ariano”.
Mas Wagner não era nazista (morreu antes da morte de Hitler), mas defendia alguns dos princípios que foram incorporados pelo movimento alemão. Não há o que se dizer da qualidade musical de suas obras e da importância que teve para a música mundial. Entretanto, a “decadência de Wagner” é definida e retratada por um de seus melhores amigos (que logo viraria inimigo) Friedrich Nietzsche [1]: “Wagner condescendeu passo a passo para tudo o que eu desprezo — até para o antissemitismo”.
Não sejamos inocentes a ponto de achar que a demissão de Alvim foi um basta as ideias nazistas. Goebbels continuará frequentando Brasília — e provavelmente ao som de Wagner. A guerra cultural continua.
E quanto a provável substituta, talvez a TV Pirata tenha sido profética:
Referências
[1] Friedrich Nietzsche. “Caso Wagner”. 1888.