Indiretas e um D20
O jogo
O jogo já durava horas. O momento era tenso: a personagem da garota estava prestes a morrer.
— Eu vou ajudá-la. Lanço uma bola de fogo no zumbi. — Ele fala sem tirar os olhos dos da menina. Ela, por sua vez, fica um pouco rubra e cerra os lábios.
— Jogue o d-20 — Pede a mestra.
A mesa começou a ficar tensa, ninguém entende qual é a razão dos dois não desviarem a atenção um do outro. Nem mesmo quando o dado foi lançado, o casal olhou para o resultado.
Dado rolando, o tempo parece estar mais devagar. Uma mecha do cabelo castanho da garota se desprende do rabo de cavalo e cai perto da boca. O rapaz não consegue evitar encarar aquela mecha.
Ela, por sua vez, parece imensamente interessada na covinha que se forma no sorriso do jovem.
O dado rola.
Uma conversa momentos antes
A caçadora estava ciente dos riscos que envolveriam profanar o lugar sagrado: o local fora prometido aos deuses, onde nenhum humano deveria entrar a menos que quisesse ser levado ao seu derradeiro fim.
— Não vá. — Pediu o mago. — Não poderemos lhe ajudar. Não vamos fazer parte desse plano suicida!
A arqueira revirou os olhos.
— Eu preciso da esfera da alma e sabe disso. Preciso salvar meu povo.
— Não vai salvar ninguém se estiver morta. — Pontuou o clérigo, que até então estava completamente calado.
— Eu sei que não posso contar com ninguém. Não tem problema, sei muito bem me virar sozinha.
O mago revirou os olhos.
— Tá, mas é o que quer? Seguir esse caminho?
Ela virou o rosto, evitando-o.
— Você não vai me apoiar, então essa conversa é perda de tempo. — Começou a andar em direção ao local sagrado.
— Liliana…não precisa fazer isso.
— Não há outra forma. — Ela respirou fundo. — E, honestamente, estou melhor sozinha. Não quero a sua ajuda. Não vale a pena.
— Por quê diz isso?
Os olhos dela miraram o portão.
— Outros companheiros me disseram a mesma coisa que você: “lhe apoiarei Liliana até o fim dos meus dias”. Claramente não era real, assim como agora.
— Eu não a abandonei. — O mago estava sério. O ar parecia mais escasso.
— Ah, não? — Ela disse, antes de voltar a andar até os portões.
Quando sumiu de vista o clérigo deu uma tossida, quebrando o silêncio que havia se instaurado.
— O que foi Samuel? — Perguntou o mago.
Você acabou de abandoná-la.
Na mesa algumas horas antes
— Gente, ainda estamos jogando? — Camila , a que jogava de paladina, perguntou e deu uma risada meio forçada. Madalena tinha ido ao banheiro e a mestra beber água na cozinha. Thiago e João se encaravam.
— Você a abandonou e sabe disso. — Afirmou João.
Thiago calou-se.
O jogo
Os dedos da garota apertam uns aos outros, ela morde uma parte da bochecha por dentro.
O dado rola lentamente.
O garoto respira rápido, parece que pode ouvir as batidas do próprio coração. O suor escorria de sua testa, não queria parar de vê-la.
O dado dá mais um looping.
— Não te abandonei — Thiago sussurra.
— O quê? — Ela pergunta.
Os jogadores nem olham mais para o dado que cai da mesa diretamente para o chão frio, apenas observam os dois jovens.
— Não te abandonei e não vou. — O dado já tinha parado? Ninguém parecia lembrar dele. — Você sabe que não é a mesma coisa comigo.
A garota respira fundo, desprende os dedos e sorri.
O dado caiu com o 20 para cima.