Indiretas e um D20

Maria Anna Leal Martins
Maria Anna Martins
Published in
3 min readMar 18, 2019
Photo by Hugues Adamo on Unsplash

O jogo

O jogo já durava horas. O momento era tenso: a personagem da garota estava prestes a morrer.

— Eu vou ajudá-la. Lanço uma bola de fogo no zumbi. — Ele fala sem tirar os olhos dos da menina. Ela, por sua vez, fica um pouco rubra e cerra os lábios.

— Jogue o d-20 — Pede a mestra.

A mesa começou a ficar tensa, ninguém entende qual é a razão dos dois não desviarem a atenção um do outro. Nem mesmo quando o dado foi lançado, o casal olhou para o resultado.

Dado rolando, o tempo parece estar mais devagar. Uma mecha do cabelo castanho da garota se desprende do rabo de cavalo e cai perto da boca. O rapaz não consegue evitar encarar aquela mecha.

Ela, por sua vez, parece imensamente interessada na covinha que se forma no sorriso do jovem.

O dado rola.

Uma conversa momentos antes

A caçadora estava ciente dos riscos que envolveriam profanar o lugar sagrado: o local fora prometido aos deuses, onde nenhum humano deveria entrar a menos que quisesse ser levado ao seu derradeiro fim.

— Não vá. — Pediu o mago. — Não poderemos lhe ajudar. Não vamos fazer parte desse plano suicida!

A arqueira revirou os olhos.

— Eu preciso da esfera da alma e sabe disso. Preciso salvar meu povo.

— Não vai salvar ninguém se estiver morta. — Pontuou o clérigo, que até então estava completamente calado.

— Eu sei que não posso contar com ninguém. Não tem problema, sei muito bem me virar sozinha.

O mago revirou os olhos.

— Tá, mas é o que quer? Seguir esse caminho?

Ela virou o rosto, evitando-o.

— Você não vai me apoiar, então essa conversa é perda de tempo. — Começou a andar em direção ao local sagrado.

— Liliana…não precisa fazer isso.

— Não há outra forma. — Ela respirou fundo. — E, honestamente, estou melhor sozinha. Não quero a sua ajuda. Não vale a pena.

— Por quê diz isso?

Os olhos dela miraram o portão.

— Outros companheiros me disseram a mesma coisa que você: “lhe apoiarei Liliana até o fim dos meus dias”. Claramente não era real, assim como agora.

— Eu não a abandonei. — O mago estava sério. O ar parecia mais escasso.

— Ah, não? — Ela disse, antes de voltar a andar até os portões.

Quando sumiu de vista o clérigo deu uma tossida, quebrando o silêncio que havia se instaurado.

— O que foi Samuel? — Perguntou o mago.

Você acabou de abandoná-la.

Na mesa algumas horas antes

— Gente, ainda estamos jogando? — Camila , a que jogava de paladina, perguntou e deu uma risada meio forçada. Madalena tinha ido ao banheiro e a mestra beber água na cozinha. Thiago e João se encaravam.

— Você a abandonou e sabe disso. — Afirmou João.

Thiago calou-se.

O jogo

Os dedos da garota apertam uns aos outros, ela morde uma parte da bochecha por dentro.

O dado rola lentamente.

O garoto respira rápido, parece que pode ouvir as batidas do próprio coração. O suor escorria de sua testa, não queria parar de vê-la.

O dado dá mais um looping.

— Não te abandonei — Thiago sussurra.

— O quê? — Ela pergunta.

Os jogadores nem olham mais para o dado que cai da mesa diretamente para o chão frio, apenas observam os dois jovens.

— Não te abandonei e não vou. — O dado já tinha parado? Ninguém parecia lembrar dele. — Você sabe que não é a mesma coisa comigo.

A garota respira fundo, desprende os dedos e sorri.

O dado caiu com o 20 para cima.

--

--