Almoço com a moça do tempo

Ana Favorin
Maria do Ingá
Published in
2 min readDec 22, 2020
Colagem da autora

Deslizou terra,

morreu gente,

cê viu no jornal?

Nó na garganta de uma semana de desencaixes e agora isso.

Gente morrendo.

Tem sempre gente morrendo enquanto a gente almoça em silêncio e mastiga a comida e a raiva e a tristeza e a conformidade dos nossos dias estranhos e sós.

Inadmitidamente sós.

Secretamente sós.

Foram nove casas atingidas. 7 mortos.

Um menino procura a namorada e fala com a reportagem, um homem perdeu o amigo, a câmera focou uma banheira de bebê no meio da lama. Chorava o menino que procurava a namorada.

Eu busquei algum contato humano ali.

Na sala. Com o prato na mesa. Lágrimas nos olhos. Um guardanapo apertado na mão.

As buscas continuam e uma criança está em estado grave.

Ontem foi aniversário do menino. Teve festa na casa que a terra levou. Foi aniversário do menino.

Meus olhos buscam olhos.

7 mortos.

Os bombeiros pedem silêncio pra ver se ouvem alguém lá de dentro da terra, dos escombros, do ontem agora desfeito. Eu peço silêncio pra ver se eu ouço alguém lá de dentro de mim, de nós. E a gente se olha, se toca e se cala. E se desentende no instante em que fala. Medo. Mastiga. De um lado para o outro. Alternadamente.

As buscas continuam.
Agora…

a previsão do tempo.

--

--