Animalia
Não reino, donzela e sola, pelas florestas de concreto ou pelas savanas mundo afora. Necessitei mover uma força animal, profunda e alimária, impressa nas imagéticas e genéticas herdadas de outras tantas fêmeas. Hoje, digo: “quem já esteve próxima da fome, quiçá, da morte, quem já enfrentou o adverso de peito escancarado, somente essa é capaz de acionar a memória atávica da ancestralidade e ir do instinto ao tino para sobreviver”.
Abaixo dessa epiderme, há um ser que se regenera, renasce, reexiste sucessivas e incansáveis vezes. Não, não pensem que sou infalível! Sou apenas aquela que não pôde descansar, uma paquiderme movendo-se lenta, porém disposta a cruzar os territórios, a impor sua geração e a ser o testemunho de seu próprio tempo. Eu afirmo: “para quem retira pele e leite de sua própria carne a fim de ceder a outrem, a fim de alimentar a outrem, como a mãe pelicano ou como a chipanzé que não dorme, a vida não abre espaços para paradas ou lamentos”!
A vida, para gente comum — eu, é a conjugação de uma espécie de força bruta, de força puta, de força vinda dos plexos inferiores do corpo e da comunhão com a Terra. Então, podem me chamar de baixa, vulgar, terrena ou de carcaça… Podem me chamar de madona ou de serpente! Eu não me abalo, porque atravesso rugindo, leoa, os muitos caminhos de pedra.
De onde habito, sou onça parda. Sou de cor; latina multicolor. Sou a ser geo-grafada no sul. E sou a doçura não tangível por vocês.
Aquela que se transforma numa mulher sapo, na mulher Sapho, na destemida sem marido, na muiraquitã que atravessa o rio e presenteia sua tribo com a fertilidade e o gozo. Mas, vocês não sentem e nem veem… Os feromônios, a alquimia, a junção de fera com fera pelas dobras geradoras e úmidas da vida.
Por essas ganas, não mexam comigo! Porque sou bicho do mato! E sou, sim, metida à besta!