Assassin(ato) de fala

Textura: a pele do texto
Maria do Ingá
Published in
2 min readJun 19, 2021
Arte de Gabriela Tornai

Eu vou matar esse sobrenome.
Vocês podem me levar a julgamento,
ou apenas me convidar para prestar esclarecimentos,
à moda de Vladimir Herzog,
mas que eu vou matar
esse arremedo de homem,
eu vou!
O meu plano é eliminar esse mote,
a quem chamaram de mito,
como quem reescreve
o último livro bíblico
com as próprias mãos!
Apocalipse é now.
E é agora que eu vou,
eu vou matar
esse sanguessuga de brasileiro,
e ao ver o líquido infecto
e vermelho
escorrendo de minhas palavras armas,
terei cumprido o meu protesto:
servir de exemplo para todo e qualquer indivíduo
causa mortis genocídio.
Os documentos que comprovam sua ligação
com a morte daquela
que não seria interrompida
no discurso e na promissora carreira política
serão finalmente revelados.
Periferias e aldeias indígenas estarão,
como sempre,
ocupados
chorando seus corpos tombados
no topo das paradas estatísticas
antes e depois da pandemia.
Todos aqueles que o desejaram morto
sentirão alegria e medo.
Olavistas o compararão com Jhon Lennon.
Pacifistas lamentarão o método com pesar.
E nada disso vai me impedir de tomar
essa medida extremista,
matar um autocrata
como quem realiza a democracia.
A elite e o exército brasileiro
apelarão para a costumeira ameaça comunista
E clamarão com iphones
e instrumentos de tortura,
pela volta da “revolução”,
a disfarçada ditadura.
Conhecerei o inferno
após interrogatório intimista.
Remexerão no meu passado:
“era imoral” e “reformista”
“mais uma louca mulher”
“era bruxa”, “ativista”,
vai sair na Marie Claire.
Mas eu,
eu vou.
Matar esse titereiro
e fantoche do capital estrangeiro
MATAR ELE!
mesmo que seja apenas,
na liberdade deste poema.

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