Balanço

Ana Favorin
Maria do Ingá
Published in
2 min readMar 18, 2021
Colagem da autora

O cenário da casa amiga era conhecido. O chão era outro, trêmulo, como se não resistisse ao peso de mim. Amparo e desamparo entraram comigo, desse jeito que as coisas acontecem e eu não sei.

Tudo branco, branquinho casa de vó. E o balanço na sala. Me arrisco? Olhei de canto. O peito apertado e a lágrima esquentando o rosto. Desaprendida das criancices, fico na ponta do pé e subo no balanço. Susto!

Como era mesmo? Como é mesmo que se balança?

Ela, que já caiu de alturas até maiores, me olhou fundo. Alcançou um ontem meu.

Amiga, você joga o corpo para frente e depois para trás, assim ó.

Não dava. O balanço endurecido pela estranheza dos anos, com a ferrugem do emperra e arrasta cotidiano, insosso, espanado pela desatenção, acumulado de irritações, prazos e desavenças.

Mas quem sabe balançar não esquece, ó! Eu vou te dar o primeiro impulso, que você lembra e vai.

Fui. A barriga esfriou e o peso todo de meses virou cosquinha fria ventando no meu cabelo, levantando a saia. O vento secou meu rosto roupa no varal. E eu até sorri, sentindo os músculos desacostumados à gentileza voltarem a reconhecer o corpo que é deles. Corpo solto. Corpo pé descalço. Corpo poema.

Então é isso que eu sou? Essa leveza. Um balanço.

Quem sabe balançar não esquece. Mas, às vezes, precisa de impulso.

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