Belinha

Estela Lacerda
Maria do Ingá
Published in
2 min readAug 15, 2020
Dachshund, por Aja Trier

I.
Belinha não foi adotada por nós
ela ocupou o espaço da nossa casa
numa terça dessa sem movimento e vida
e nos permitiu dar a ela o amor
aquele que não dávamos a nenhum familiar
porque não sabíamos como fazê-lo

um dia, Belinha não queria mais nosso afeto
nem sequer lambia nosso dedos para brincar
vivia quieta demais
mas inquieta por dentro
parecia uma outra
minha mãe disse que ela estava prenha
foi só na escola descobri:
prenha era a gravidez de bicho

ela sumiu em um final de tarde
todos ficaram preocupados
encontramos a bichinha embaixo da mangueira
escondida no fundo do quintal
cinco cachorros se amontoavam
todos sugando suas tetas
podia ser uma cena bonita
se a cadela não carregasse no olhar
desprezo & rancor

no café decidimos o destino dos filhotes:
dois ficariam conosco
o máximo que conseguiríamos cuidar
os demais iam pra agropecuária do seu Ademar
[doação de cachorrinhos
como quem dá um objeto de presente]
e assim foi.

II.
Belinha sempre nos assistia tomar café
a trilha sonora era o seu choramingo
mas teve um dia que era só ausência
nem um chorinho sequer:
ela havia sumido de novo

dessa vez foi fácil
lá estava perto da mangueira:
nem sinal dos dois filhotes
somente ela
ensanguentada!
com o peso do mundo no seu estômago
e um olhar de satisfação

nesse dia, ela não lambeu nossos dedos
não havia alegria
nem nosso amor foi capaz de qualquer coisa
Belinha foi embora pra nunca mais
e a nossa casa, agora desocupada
é mais triste que a noite.

--

--

Maria do Ingá
Maria do Ingá

Published in Maria do Ingá

A Revista Maria do Ingá nasce com o propósito de permitir que escritores e escritoras de Maringá tenham um espaço centralizado de trocas, para que possam mostrar seus textos, falar sobre seus processos criativos e debater sobre assuntos os mais variados.

Estela Lacerda
Estela Lacerda

Written by Estela Lacerda

escritora • mediadora do #LeiaMulheres • mestra em estudos literários • gerente de conteúdo