Bilhete à Clarice

Fabiana Carvalho
Maria do Ingá
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2 min readJul 30, 2021
Retrato de Clarice Lispector — Carlos Scliar

Prezada,

Inicio com uma pergunta:

e há [Ré — mel — Dios] coisa qualquer

nessas nossas alegorias letradas?

Existir dói. Escrever comprime o peito;

silenciar mais,

e eu estou num instante de sufoco –

perplexo, inerte, (co)movente!

Lê direito: a bula, a chave mestra,

o tratado hermético disposto por ti,

que esteve tão perto de nossa selvageria

e anteviu a sina de nunca chegar às estrelas.

Você deixou o universo num ovo –

o antídoto…

Vê. É lispectorante!

Agora, respira, engole as palavras…

(Super) Existe. Come.

O gozo, o vaticínio ou a epifania.

Das coisas que aprendi a devorar contigo,

irei vomitar as vogais e as consoantes

com meu sopro atônito diante da vida,

com a alegria clandestina, a cidade

ou com a tristeza crucial do corpo

numa descoberta convulsionante de mundo.

Vê. Você avisou. Eu aviso. É lispectorante!

Xaropada!

Macera e bota em efusão — o medo, a vida.

Clara e se…

A química dissesse a verdade:

a água viva na pleura,

a paixão segundo a tenho,

o destino macabeu, enfim…

Que toda a angústia passa em três doses…

Então, tomo a liberdade e digo:

melhor percorrer um livro

quando inseto e incerto nos perturbam!

Puxar o fôlego e partir rumo a outra lufada,

não para se ter a cura — você não desejou a cura,

mas a náusea! Porque apesar de tudo,

eu sou neuma e doce…

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Fabiana Carvalho
Maria do Ingá
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