Incorpórea
As lágrimas são um rio que nos leva a qualquer lugar.
Clarissa Pinkola Estés
I — Pélago
No i m e n s o e manso
marasmo,
Imersa, ela INUNDA.
II — Tempo de rio
No final da travessia,
a água escorrida já não é como em nascente.
No final, ela é outra.
IV — Fonte
Dione era uma pedra sedenta.
V — Infusão
Ela estava inebriada,
Mergulhada
Na incensada xícara.
VI — Bolha de sabão
Chega o tempo
em que o aquário onde fomos criadas
Se quebra.
VII — Fluida
Ela era mole
E de tanto levar pedradas
Evaporou.
VIII — Seiva
Constância bebia os soluços das lágrimas.
IX — Orvalho
Quando regava as plantas
Ela se refrescava
De verde de novo.
X — Mergulho inventado
Balde e mangueira:
“Liga a torneira”.
Fazíamos nossa piscina.
XI — Chove
Sim, eu choro
Quando dizem
Não chora, não chora, não chora.
XII — Gelo
Nossa frieza
Deriva de feridas
Em estado de decepção.
XIII — Sereia
Às vezes, me sinto sereia
por ser a metade que não a outra
quando, na verdade, o que eu queria mesmo
era ser Sereia, de Ana Martins Marques.
XIV — Hipocampo
É uma palavra bonita
Que guarda campo, memória
E filhos.
XV — Umidez
Adversa às margens
e ao leito insípido,
Ela transbordou.
XVI — Concha
O livro que levo
Comigo
É casa onde abrigo.
XVII — Várzea
Meu canteiro de hortelã,
de repente,
Virava um pântano.
XVIII — Pisciana
Como peixes sensitivos,
Meus pés partidos
Procuravam por sentidos na poça d´água.
XIX — Mundo submarino
Em menina,
sentava-me ao meio-fio
para desaguar no verso da vida.
XX — Piscicultura
Com mãos escamadas
de ondina ondulante,
pegar na voz cintilante de um peixe.
Esses poemas foram publicados anteriormente no blog Incorpórea, em 2 de julho de 2020.