Incorpórea

Vanessa Valles Leal
Maria do Ingá
Published in
2 min readAug 20, 2020

As lágrimas são um rio que nos leva a qualquer lugar.
Clarissa Pinkola Estés

Foto de sharonang — 99559

I — Pélago

No i m e n s o e manso
marasmo,
Imersa, ela INUNDA.

II — Tempo de rio

No final da travessia,
a água escorrida já não é como em nascente.
No final, ela é outra.

IV — Fonte

Dione era uma pedra sedenta.

V — Infusão

Ela estava inebriada,
Mergulhada
Na incensada xícara.

VI — Bolha de sabão

Chega o tempo
em que o aquário onde fomos criadas
Se quebra.

VII — Fluida

Ela era mole
E de tanto levar pedradas
Evaporou.

VIII — Seiva

Constância bebia os soluços das lágrimas.

IX — Orvalho

Quando regava as plantas
Ela se refrescava
De verde de novo.

X — Mergulho inventado

Balde e mangueira:
“Liga a torneira”.
Fazíamos nossa piscina.

XI — Chove

Sim, eu choro
Quando dizem
Não chora, não chora, não chora.

XII — Gelo

Nossa frieza
Deriva de feridas
Em estado de decepção.

XIII — Sereia

Às vezes, me sinto sereia
por ser a metade que não a outra
quando, na verdade, o que eu queria mesmo
era ser Sereia, de Ana Martins Marques.

XIV — Hipocampo

É uma palavra bonita
Que guarda campo, memória
E filhos.

XV — Umidez

Adversa às margens
e ao leito insípido,
Ela transbordou.

XVI — Concha

O livro que levo
Comigo
É casa onde abrigo.

XVII — Várzea

Meu canteiro de hortelã,
de repente,
Virava um pântano.

XVIII — Pisciana

Como peixes sensitivos,
Meus pés partidos
Procuravam por sentidos na poça d´água.

XIX — Mundo submarino

Em menina,
sentava-me ao meio-fio
para desaguar no verso da vida.

XX Piscicultura

Com mãos escamadas
de ondina ondulante,
pegar na voz cintilante de um peixe.

Esses poemas foram publicados anteriormente no blog Incorpórea, em 2 de julho de 2020.

--

--