Nós aqui, entre o céu e a terra
Por baixo da Luz, a rua desperta mecânica, tossindo a fuligem das manhãs subterrâneas da cidade cheia de cinza e concreto que sustenta a outra, aquela dos Jardins. Para se encontrar com a cidade bonita, basta atravessar por cima, onde os cabos de aço não aparecem.
Da Barra Funda até a Cinelândia, o Uber dava 12 reais. A manhã acinzentada era o primeiro postal chuvento que eu podia te mostrar, enquanto me preocupava com duas coisas importantíssimas na miudeza do meu instante: 1. Encontrar um Uber que não cancelasse a viagem; 2. Pegar com olhos, dedos e poros todas as suas reações ao mundo exterior.
30 minutos de espera. Dezenas de barracas improvisadas enchem a Praça da República, com seus moradores que se amontoam sob cobertores corta-febre. São 8h da manhã e o cinza hostiliza teus olhos desacostumados a esse tipo de dureza.
“Uma diária nas Ilhas Maldivas custa 60 mil reais em um resort”. O motorista, não consigo lembrar o nome, escandalizado com o luxo e a miséria da sampa que rodava todos os dias. Tanto quanto você, que se espreguiçava com dificuldade entre humanos, muros chapiscados e viaturas de giroflex ligado. Será que um dia a carne amacia diante do horror? Tomara que não.
Aqui entendo um pouco teu rosto que falseia timidez. Acho que era alguma espécie dor, o brilho agudo nas pupilas. Apertou meus dedos no descontentamento e no susto. Como era bruto e rude aquele mundo! Me perguntei por um momento se você já esteve em um resort, mesmo que não fosse de luxo. Eu não.
E mesmo assim estávamos ali, entre o céu e a terra. Dividindo o banco do carro de um estranho que parecia compartilhar com a gente aquela forma doída de ódio e dor e mágoa daquilo tudo.
A cidade não para, a cidade só cresce.