Quase bonita
sou bonita de corpo
sempre me disseram
em casa, no bairro, na saída da escola
ouvi tanto isso que pensei ser elogio
nunca havia pensado que havia outra forma de ser bonita
os corpos bonitos
por quase todos os lados
na tv 34 polegadas
nas revistas do consultório médico
no outdoor na frente da padaria
– se sou vista assim, tá tudo bem
lendo um livro pra escola
apareceu uma descrição dessas longuíssimas
[iguais aos créditos em final de filme]
falava do rosto de uma mulher
o romance
uma das coisas mais chatas que caiu nestas mãos
aquele rosto
a coisa mais bonita que já vi descrita
a dúvida veio como soluço repentino:
também sou bonita de rosto?
até perguntei em casa
os adultos torceram o nariz
com o espelho de bordas laranjas
[igual à cor do meu vestido preferido
um que marcava bem o corpo]
não me achei feia
mas também não era bonita
espinhas populavam toda a face
nariz marcado por desvio de septo
os olhos maternos, grandes e curiosos
as sobrancelhas paternas, ralas como a fartura na mesa
era quase bonita!
a descoberta tão grave
como ser metade neste mundo?
não, isso não era o pior!
ruim mesmo era saber:
jamais seria descrita
daquela maneira
nos livros que leio.