restos dos engolidos na composteira

Suélen Dominguês
Maria do Ingá
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3 min readDec 16, 2020
homem sufocado com sua própria delicadeza — Susano Correia

Os calcanhares encarcados no escorregadio deontê. Não encontro chão e me assusta o que as paredes podem — palavras aranhudas que sobem sem teia Deixa eu dizer. Se a vida fosse paleta de cores, que fossem paletas e pastéis e garapas. Porém, opaca, arrebenta que não arrebenta, de gosto duvidoso

mesmo fora do lugar, atormentada pela morte das plantas, com o girassol brotado pro umbigo da terra na cova do vaso. Mesmo sem vento, ar, lamento, sem janela. Mesmo bicho de cela. Mesmo sem alcançar o que não sei o quê ainda estamos

pedras duras que não sabem nadam batendo contra as águas. A torneira fatia o silêncio da casa num possesso pingo. Nessa cozinha, azulejos marrons, da boca da costela até o pé do espinhaço. Mas os azulejos do meu peito são barro; tilt — o desmanchado pedrume corre água, enlameia. A pata do gato no pires. Quebrar dói. Varro a memória pescando entre os cacos os farelos. No centro da mesa há bolo, da tarde, vocês, do fubá, erva-doce e meia xícara de laranja

fico de cócoras na janela, esperançando a vizinha pra emprestar açúcar, mas no prédio dos cansaços, janelas empesteadas de bege empalamado. Quiçaça de cortinas cinzas. O amarelo passa frio, o azul afoga. Até o mais ordinarin dos pardais sabe que o humano de apartamento embolora. Só há pombas, pombas gordas, pombas com olhos de porcaria. E eu odeio o mundo que cortou as asas delas. O doce nunca mais foi à batata. Ave, jesus, pombas e marias! como carece o caroço do ser de um bar, de um gim com pimenta, de verdes gritantes até nos tetos vermelhos, ou estraga.

- se por milagre milagres existem

antes de tudo, jogo o prato na pia e corro, porque o tempo não permite abobrinhas e nem digestão. Barriga que trabalha não tem dente pra jiló. Corta minha garganta. A flor da pele murcha, sensibilidade crua tritura. Só de aço a carne apodrece, empapa

num moedor de botas, entra sola, volta xepa. Ver não é provar. Se ainda há coentro, abusa, lambuza, vem deserto aí. Do oitavo andar, do quinto andar, do quarto andar, animais humanos e não-humanos, muitos tiveram o incidente de desabar, dizem nas músicas que caem e não

sobrevivem. Assisto sitcoms porque o cansaço não pagou a conta, sem energia num dá riso, insosso, chocho, e a lata ri a mente frita que falha. Sempre sobra porém falta, um quê, sol no roxo, sal no cocho, alecrim

de fato, Não entendo; mas de bafo, sou testemunha ocular. Nessa cozinha de ladrilhos preto e branco, com cheiro de cebola, chorando de Cartola e pá, eita pipoco, o feijão todo no teto e a tampa furibunda na porta do armário, escorre canja malacenta que embreja os louros. Corro ou socorro, salvo os gatos ou desligo o fogo, de esmagar sufocos somos levados a breca, e fiquei na porta, queixo pendurado, abismadamente pasma assombrada, Arruda! Manjericão! Palo santo! A panela explodiu de ex-barrada-pressão. Minha mãe dizia, Vaso ruim não quebra.

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Suélen Dominguês
Maria do Ingá

Contra a violência do mundo, a violência da palavra.