Tão eficaz esta faca

Gabriel Dominato
Maria do Ingá
Published in
2 min readSep 15, 2020
Gustav Klimt, 1912

Tão eficaz esta faca
Que corta tomates
Este cadeado que
Tranca portões
E nós para o quê?

Tão eficaz este resíduo
De lixo que vai adubar
A comida do mundo
Esta erva daninha
Que moída pode
Se tornar veneno
E nós para o quê?

Talvez estas mãos
Sejam para amar
Mas com a faca
Assassinam
Trancam cadeados
Contra os bandidos
Que as mesmas mãos
Fizeram

As mãos tremem
Loucas para tomar
O veneno das ervas
A água venenosa
Que brota dos canos
Um novo deus de silício
Para adorar em silêncio
Sem oração fora
O torrencial fluxo
De bytes

Havia antes aqui um
Jardim com maçãs
E um déspota
Agora já não há mais

Cada manhã após o café
Um Peloponeso
Nenhum de nós ilesos
Voltar para casa
E dormir consumidos
Há outros déspotas
Outras maçãs

O jardim cresceu com
Outras plantas e químicas
Um jardim transgênico
Uma serpente alada
As maçãs não trazem
Mais significados ou
Significantes

Por isto modernos
Pintamos as paredes
De nossas cavernas
De alvenaria
Dizemos Estou aqui
Em meu jardim cheio
De vinhas agrotóxicas

A última tentativa das
Mãos tenta escrever
Na pele ao lado com
Letras de ar os porquês
E ser lido na pele com
A caligrafia chinesa
Do atrito dos dedos
Para confirmarmos
Que não somos apenas
Matéria de sonhos
Nada apenas de devires
E esperanças

Haveria outro ouvido
Que leria o ritmo sísmico
Do coração em ondas
Sônicas leia meu coração
Fonético e conte seus compassos
Há música para teus ouvidos
Mesmo dormitando em
Cansaço há melodias
Que só tem tempo para
Tocar no meio da madrugada
Quando o tempo se libertou
De suas tiranias

Você me traduz por completo
Cada fulgor estrangeiro que
Se forma em meu peito pelos
Vestígios do dia você decifra
Os hieróglifos de minhas rugas
As runas ao redor de minhas
Cicatrizes e aos poucos conforme
O nariz entende e a boca confirma
Eu descubro que mesmo neste
Jardim tão moderno
É possível encontrar a vida
Que um dia havia
No paraíso perdido.

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