Um diário de escrita

Thays Pretti
Maria do Ingá
Published in
3 min readAug 14, 2020
The emptyness, de Welder Wings

Depois de um tempo escrevendo, a gente encontra alguns padrões nos próprios textos. É claro que isso muda de acordo com a maturidade e as referências do momento (leituras, músicas, conversas), entre outras influências. Mas há alguns traços que acabam se repetindo.

Noto muito na minha escrita as referências ao ciclo natural — nascimento, crescimento, decrepitude, morte. Nossa finitude e efemeridade muito me interessam — e preocupam.

Há também frequentes referências à natureza: à terra, à planta, ao animal, à água. Acabo ficando mais frequentemente no polo feminino dos quatro elementos (terra e água), em detrimento dos do polo masculino (vento e fogo), mas há um elemento que costumava voltar aos meus processos com certa frequência e que, para mim, tem mais relação com o vento e o fogo: a areia.

A areia é sempre uma solidão, uma amargura. O polo feminino é líquido, alimenta. A areia é uma secura da qual eu fujo. Nem sempre adianta. Por vezes me sinto desértica. Não ultimamente, porém. Tenho me sentido mais próxima do líquido agora, mar e sal, ancestral, amniótica. Tenho me sentido terra fértil. Húmus. Planta, fruta comestível.

Devora-me ou decifro-te.

Também falo muito de processos biológicos (devorar, consumir, absorver) e de fluidos corporais, mas geralmente sangue, suor e lágrimas. É difícil falar sobre outros fluidos e excrecências (mesmo aqui, refletindo sobre a escrita). Menstruação é algo que não me lembro de já ter colocado em algum texto, também, mas dela eu não tenho pudor.

Histero — do grego hustéra — útero.

Tenho para mim que minha escrita vem do útero. Por isso essa necessidade e conexão com o feminino da natureza e com os processos do corpo. Estou do lado de dentro, do lado do úmido, do escuro. O polo feminino do mundo. Minha escrita é histérica.

A histeria era considerada como uma doença feminina, estando de alguma forma relacionada ao útero.

Histeria para mim é uma rebeldia da carne.

Minha escrita só é histérica em sua forma mais literal: nasce no útero. Depois passa pela reflexão e é significada pelas palavras em si.

Tendo ainda a manter coisas no subentendido, o que faz com que o silêncio seja uma constante nos textos. Um silêncio que julgo ser denso e angustiado (é como o sinto ao escrever). Um silêncio ao qual não faltam apenas as palavras, mas também a pulsão do dizer. Nos meus textos, também há por vezes menções veladas a sexo e desejo. Tudo muito discreto. Não por pudor, mas por preferir a penumbra. Sinto que essa escolha me faz mais obscena.

(Obsceno: etimologicamente, aquilo que fica fora da cena, por trás da cena.)

Sou radicalmente obscena, por vezes, nesse jogo de sombras.

Presenças e vazios.

Pensar no próprio texto é pulsante. Fico de repente mais viva. E dá muitas ideias. Poucas talvez valham algo. Mas desde o início desse texto já criei umas três personagens por aqui. Todas elas sou eu. E não são.

(Madame Bovary c’est moi.)

Pensar-se é uma forma de se construir.

(Destruir? Desconstruir?)

Talvez ciclicamente destruconstruir-se,

construdestruir-se.

Tanto faz.

O ciclo se dobra sobre si.

Publicado anteriormente no meu perfil pessoal do Medium, em 8 de novembro de 2017, e agora movido para cá. As reflexões foram livremente atualizadas e o texto mudou bastante, mas várias coisas continuam válidas.

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