Corra! — Um mistério cruel por trás da pele negra

Maria Julia Monteiro
Maria Júlia Monteiro
6 min readMar 3, 2018

Por Maria Júlia Azuaga Peluso Monteiro

Cartaz do filme Corra! (2017)

“Irmão, fuja! Ouça os mais velhos. Ouça a verdade. Fuja! Salve-se”. Com esse verso da principal música do filme podemos perceber que o clima que rodeia a narrativa dessa história é muito tenso e agoniante. Jordan Peele estreante no ramo de direção de filmes mesmo sendo um comediante consegue explorar muito bem o terror psicológico causado no filme, ainda mais com um tema tão presente em nosso cotidiano, o racismo.

Chris (Daniel Kaluuya), um bom e jovem fotógrafo negro,vive um relacionamento com Rose (Allison Williams), uma jovem mulher branca descendentes de alemães. Quando convidado a conhecer a família de classe média alta de sua namorada, Chris pergunta: “Eles sabem que eu sou negro? ”Essa é a interrogativa que irá estabelecer a trama do filme. Assim que chegam a casa dos pais da garota é visível um clima de tensão pelo fato da família ser predominantemente branca com empregados negros que se comportam de um modo muito misterioso e aterrorizante.

Mas tudo tende a piorar a partir do momento em que os pais de Rose realizam um evento em sua própria casa. A festa é cercada por brancos de classe alta, que disfarçadamente avaliam Chris tanto física como psicologicamente e acabam demonstrando um grande interesse em sua pessoa. Mesmo Chris estranhando tais tipos de comportamento e de perguntas ele tenta não se importar pois está acostumado com o tipo de racismo americano. Mas as coisas vão cada vez mais se tornando pavorosas e estranhas até que ele descobre o segredo terrível e cruel sobre a família de sua namorada.

Cena do filme Corra! (2017) — Chris sendo avaliado física e mentalmente sem perceber por brancos que estão ali para o próprio leilão do jovem negro.

Podemos dizer que Corra! é o mais novo queridinho entre os críticos de cinema e de filmes que envolvem terror psicológico, pois apenas com um custo de produção muito baixo de apenas US$ 5 milhões Jordan Peele consegue criar uma ótima e bem detalhada trama que cria uma agonia no psicológico de qualquer um. Com um roteiro muito simples o diretor faz com que você saia do cinema refletindo e incomodado sobre tal assunto, pois por mais fantasioso que o filme pareça ser, não é tão impossível de que algo do tipo possa acontecer. Essa mistura de sensações ruins causadas pelo filme faz com que em alguns momentos no cinema as pessoas que estão vendo tenham a vontade de gritar “corra!” para Chris, pois é a situação em que ele se encontra é desesperadora. Me arrisco até a comparar o filme com a série “Black Mirror” da Netflix, pois ele causa o mesmo atordoamento com a realidade da sociedade atual.

O diretor consegue fazer um equilíbrio perfeito com um suspense que embora possa até ser previsível consegue nos surpreender em alguns momentos. O sarcasmo e a crítica ao preconceito racial americano estão bem presentes, nada é exagerado, na verdade, chega a ser revoltante a cara de pau do pai de Rose dizer que até votaria no Obama novamente se pudesse, quase como aquelas pessoas que dizem que não são preconceituosas, até tem amigos gays/negros.

Ao mesmo tempo em que o filme trata-se de algo muito pesado Jordan Peele conseguiu criar momentos cômicos de comédia através do personagem Rod (Lil Rey Howery), amigo de Chris, que ao saber de tais acontecimentos estranhos que seu amigo o conta acaba ficando apavorado e criando teorias malucas sobre a família da namorada, mas que ao final vemos que suas idéias descabidas foram as que mais se aproximaram do verdadeiro segredo da trama.

Cena do filme Corra! (2017) — Chris tendo uma conversa com a família de sua namorada com a presença da empregada.

Há presente no filme uma grande simbologia e referências tanto a momentos históricos como ao passado do personagem Chris. Jordan se preocupou com os mínimos detalhes do filme. Nele conseguimos lembrar momentos do passado como o da escravidão e compra e venda de escravos até momentos dos dias atuais como o racismo disfarçado em comentários de mau gosto ou piadas sem graça. Podemos ressaltar até referências de outras obras, como “The Stepford Wives” e “Bebê de Rosemary”, que ficam, também, claras na comparação, deixando claro o gênero inovador da obra: o horror social.

Cena filme Corra! (2017) — Pai da namorada de Chris leiloando seu próprio genro a outros brancos de classe alta.

Algo a se elogiar também é a escolha do elenco e trilha sonora do filme. Os atores escolhidos para realizar a trama são pouco conhecidos, porém conseguem realizar um trabalho de interpretação perfeito. Daniel Kaluyaa (Chris) consegue honrar a expressão “sangue nos olhos”, em algumas cenas,sua expressão facial consegue passar para nós seu pavor,agonia e desespero, posso dizer que esse detalhe é um dos pontos principais que faz com que o filme seja algo do tipo jamais visto.

Outra atriz que podemos exaltar em sua atuação também é Allison Williams (Rose),que em seu primeiro trabalho no cinema interpretou uma personagem de característica muito difícil e mesmo assim conseguiu ter uma atuação digna de aplausos. Ela consegue manter sua expressão de calma e serenidade ao mesmo tempo em que o filme está em seu ápice, onde o pavor está tomando conta do público e a questão de humanidade está passando longe.

A trilha sonora é outro segredo chave de sucesso do filme, pois as músicas foram escolhidas minuciosamente. Podemos citar como as duas principais que se encaixam perfeitamente com o tema do filme que são:“Run Rabbit Run” e “Sikiliza Kwa Wahenga”, ambas tratam sobre correr para se salvar, assim como Chris deve correr da família de sua namorada para sobreviver.

Cena do filme Corra! (2017) — Momento em que Chris está sendo hipnotizado por sua sogra.

Posso dizer que minha única decepção com o filme foi o final, pois depois de realizar uma pesquisa descobri que o desfecho era para ter sido diferente, com um final bem realista de nossa sociedade atual, triste e cruel. Porém Jordan Peele preferiu mudar isso e colocar um desfecho justo e se assim podemos dizer “feliz”, ele justificou essa mudança dizendo que fez isso pois não queria que as pessoas perdessem a esperança na sociedade e que se em nosso mundo não ocorria tais justiças no filme pelo menos poderia ocorrer.

Na minha opinião o diretor deveria ter permanecido com o final mais realista e injusto, pois mesmo sendo algo muito triste é a realidade em que nós vivemos e não devemos omitir tais fatos. No ramo do cinema já há muitos filmes fantasiosos com finais felizes e esse poderia ser diferente e colocar a realidade face a face com o público e quem sabe assim fazer com que as pessoas pensem mais nessas situações que vivem “disfarçadas” em nosso cotidiano.

Mas realizando uma análise em geral, posso dizer que o filme “Corra!” é um dos melhores filmes que ja vi até hoje, recomendo muito para que todos vejam esse filme e se coloquem a pensar sobre o assunto, para quem sabe tornarmos a sociedade de hoje um pouco mais humana.

Maria Júlia Azuaga Peluso Monteiro, aluna do 3º semestre de Publicidade e Propaganda da FAAP

Corra!

ONDE: Alguns determinados cinemas de São Paulo, eu mesma assisti no Shopping Anália Franco que fica na zona leste da cidade.

QUANTO: Meia R$ 7,00 / Inteira R$14,00.

QUANDO: De segunda á domingo, de acordo com a programação do cinema.

ATÉ QUANDO: Até o fim do mês de Março.

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